Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
José Maria Brandão de Brito - Economista 03 de Março de 2015 às 20:30

"Andante cantabile, ma non troppo"

A Europa integrada está diferente, muito distante do humanismo que a criou, colada a uma versão economicista dos interesses poderosos que movimentam o Mundo sem ética nem preocupações quanto ao futuro da Humanidade.

 

1.º andamento

 

A história começa com um "fait divers": a apresentação de Maria Luís Albuquerque, ao lado do ministro das Finanças alemão em Berlim, mostrada como troféu e símbolo do sucesso do programa da troika que nos tem vindo a ser imposto durante os últimos anos. Com este acontecimento quis evidenciar-se o êxito do programa e mostrar como Portugal atento, venerador e obrigado tinha conseguido superar a crise (o pior já lá vai...) através da única alternativa possível: a das políticas de austeridade. Creio que foi um acto inoportuno, desnecessário e de um enorme mau gosto.

 

2.º andamento

 

Daqui decorre que apresentar o nosso País como um bom exemplo dos sucessos da troika me parece excessivo e uma manobra de má propaganda. Porque como alguém, ligado à actual maioria, referia há meses "o País está melhor, as pessoas é que estão pior" (cito de cor). Mas o que é o País sem as pessoas? Em boa verdade nem o País está melhor. Refiro-me: à dívida do Estado; ao empobrecimento que nos fez retrogradar uma década; ao desemprego e sobretudo à situação dos jovens e das mulheres; ao agravamento das desigualdades sociais de que está a resultar a redução de toda a classe média; ao crescimento económico que se situa, mais ou menos, à volta de zero; à competitividade apregoada, mas tão precária, que não é garante de sustentabilidade de melhorias do crescimento; problemas graves em todo o sistema de saúde e de segurança social... nada disto permite que se afirme que se trata de um sucesso! De tudo sobra uma questão a pôr a crédito: a do acesso aos mercados internacionais, e a confiança demonstrada por esses mercados, como atestam as recentes taxas de juros da dívida pública portuguesa, batendo mínimos históricos de sempre (sem esquecer, claro, o dedo de Draghi).

 

3.º andamento

 

O que hoje se discute é outra questão: estando o País "diferente" do que era antes de 2011, o caminho percorrido não podia ter sido outro? Não haveria alternativa para todos os sacrifícios impostos para alcançar tão magros resultados? Diga-se, em abono da verdade que no quadro da ortodoxia dominante, dificilmente poderiam ser diferentes. O que interessava, ao contrário do que afirma no preâmbulo do MoU, não era criar condições para uma rápida retoma económica, mas assegurar que Portugal era punido pela seu "leviano endividamento" e, no fim do programa, estava em condições de pagar aos credores. E bebemos o cálice até ao fim. Sem piedade nem contemplações. A este respeito retive duas expressões de dois portugueses que, por razões diferentes, me merecem grande consideração. Dizia Miguel Frasquilho: "Houve que lançar mão de mais austeridade que o projectado, pela concepção errada do programa da troika". Enquanto o presidente Jorge Sampaio referia que a Europa se tinha transformado para pior: "Está longe o tempo em que se conciliava eficiência económica com a solidariedade entre os parceiros".

 

De facto também a Europa integrada está diferente, muito distante do humanismo que a criou, colada a uma versão economicista dos interesses poderosos que movimentam o Mundo sem ética nem preocupações quanto ao futuro da Humanidade.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa

Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio