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José Maria Brandão de Brito - Economista 28 de Abril de 2015 às 20:53

Ainda a tinta estava fresca

Ainda a tinta estava fresca e já lançavam sobre ele raios e coriscos. Tanto reclamaram a publicitação das propostas do PS mas, mal ela saiu, não resistiram em lhe cair em cima ameaçando com uma réplica das sete pragas do Egipto.

 

É verdade, afinal existe, clara e fundamentada, uma alternativa ao pensamento único que gerou a austeridade donde brotou pobreza e se constitui numa espécie de fuga para a frente, ponto de acumulação de tudo o que é, ou gostava de ser, liberal-conservador.

 

A unidade nacional destes interesses, sem chama nem imaginação, mostrou claramente a sua envergonhada nudez, quando baixou a maré, com os discursos dos dois líderes da coligação: Passos e Portas. Espremidos disseram nada. Meteram medo, pretenderam assustar com um pretenso regresso ao passado, aconselharam cautela, sugeriram prudência e caldos de galinha, ameaçaram com independentes (os deles!) que permitem ganhar eleições, como se os portugueses fossem tolos e não descobrissem a marosca. Gabam-se de ter corrido com a troika, mas esquecem-se que reivindicaram esse programa como se fosse seu e... até queriam ir mais longe.

 

Finalmente, e para nosso bem, começa a desenhar-se uma alternativa efectiva que já fornece pistas claras sobre o que será o programa e quais vão ser as prioridades e as propostas eleitorais do PS. É uma alternativa porque, no cenário macroeconómico conhecido, se desenham a traço forte políticas e se propõem medidas diferentes das da coligação governamental: as duas perspectivas começam a ficar clarificadas. Aliás no quadro clássico de um velho debate secular em torno das políticas da oferta (grosso modo a Escola de Chicago e as suas variantes), as preferidas pela direita mais conservadora, e as políticas da procura (ainda a velha Escola de Cambridge de Keynes e também com muitas das suas variantes) escolhidas, normalmente, pela social-democracia de ambos os lados do Atlântico. Esta realidade ficou patente nas intervenções de Passos Coelho e António Costa numa conferência recentemente organizada pelo Jornal de Negócios.

 

À partida ambos defendem que a próxima etapa terá de ter como prioridade o crescimento da economia e a redução do desemprego, no respeito pelas regras e compromissos assumidos pelas pertença à Zona Euro. Mas os caminhos e as opções que prosseguem são radicalmente diferentes. Isto é, no estreito quadro que baliza a política económica portuguesa, dum lado vê-se inovação e tentativas para encontrar soluções para os velhos problemas da nossa economia enquanto, do outro, sem grande imaginação, se propõe continuar pelo mesmo trilho estéril da austeridade. Enquanto António Costa e o PS reforçam a procura, o apoio ao consumo das famílias e ao investimento, se promove a equidade,  a formação e a inovação, se procura reequilibrar a sociedade e a credibilidade do Estado, se combate frontalmente o desemprego e a exclusão, Passos Coelho prefere as políticas de oferta, aguardando os seus reflexos positivos sobre a economia e o emprego. Passos pouco altera em relação às políticas impostas pela troika: mantém a austeridade, aparentemente, aliviada com algumas medidas de descompressão económica e social.

 

Já sabemos que a austeridade falhou, como falhou, onde falhou e porque falhou: afinal, dela não nasceu nem o crescimento, nem a criação de emprego, nem a melhoria de vida dos portugueses. Para quem tinha dúvidas veja-se o relatório do INE recentemente publicado. Os valores mais expressivos mostram que, em 2013, o aumento de risco de pobreza já abrange todos os grupos etários: 2 milhões de  portugueses, 25% dos jovens entre os 18 e os 24 anos e 640 mil crianças estão no limiar de pobreza.

 

A austeridade falhou em termos económicos e sociais: os portugueses irão escolher se querem dar oportunidade a um novo conjunto de políticas alternativas que começa a despontar na Europa ou querem continuar com a mesma austeridade como, à defesa, prometeram Passos e Portas na sua recente declaração. O futuro está à porta, as escolhas são claras, os portugueses há muito que não tinham alternativas tão claras para fazerem as suas opções.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa   

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