Opinião
Afinal a Europa move-se
Pobre Europa atormentada por várias crises de natureza diferente, sem saber para onde se virar. Esta é a consequência grave de todos terem estado sentados em cima da sua indiferença, acreditando numa calma aparente e procurando encontrar soluções extravagantes para problemas complexos e envolvendo enormes riscos.
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Primeiro foi a crise das dívidas soberanas, tratadas com sobranceria e incompetência esquecendo que nem todas as evoluções são controláveis e que as surpresas espreitam a cada esquina do tempo. Depois a questão da Rússia e da Ucrânia. Agora o resultado das eleições gregas e o temor que este não tenha sido a pior notícia em termos das eleições que vão ter lugar este ano.
Nenhum destes problemas pertence, em exclusivo, a quem mais directamente o provocou ou mais displicentemente o encarou. No quadro em que nos encontramos, todos os problemas são da Europa como um todo. Por isso não há um problema grego, português, espanhol ou ucraniano: é a Europa que se debate com todos eles, apanhada num labirinto, onde tem sobrado uma arrogante paralisia em lugar de pensar e produzir cenários que antecipem soluções. Que faz a burocracia de Bruxelas? Que fizeram as instituições que nos governam e que directa ou indirectamente elegemos? Que posição tomaram os governos que lideram a UE?
A indiferença com que até há poucas semanas encaravam o futuro, parecendo que estavam sempre a olhar na direcção errada, a tentar resolver o outro problema, constitui uma deslealdade para com os povos que governam e as gerações que há décadas se esforçam por construir na Europa um espaço de paz e de progresso. O euro, a principal conquista do processo de integração, surgiu no culminar de uma fase áurea da construção europeia. Verifica-se, hoje, que afinal tinha defeitos, que gerou tremendas assimetrias. É fundamental discutir globalmente a situação procurando salvar o essencial para além da meritória, mas tardia, actuação do BCE que, justiça lhe seja feita, parece ser a instituição europeia mais capaz de perceber a complexidade do problema que tem entre mãos e pensar, diferente da teimosa ortodoxia dominante, que há alternativas, que essas alternativas têm de ser procuradas e, se necessário, inventadas.
A solução não está em humilhar os povos, numa espiral de pobreza, desemprego e protestos. A solução não está em dar a ordem e manter-se indiferente às consequências. Porque, pelo caminho que as coisas levam, a breve trecho a indiferença pode transformar-se em estupefacção perante as alterações do ambiente em que displicentemente se ficciona viver. É preocupante verificar como se reage temerosamente perante a mudança, em lugar de tentar compreender os novos fenómenos económicos e sociais que cada vez com mais força se vão fazendo sentir. Já hoje, se manifestam à luz do dia, forças políticas organizadas que contestam abertamente o rumo que a União Europeia tem tomado nos últimos anos e, até, a própria UE. A solução da austeridade promotora do crescimento foi um erro. E há quem, por toda a Europa, à direita e à esquerda, não esteja disposto a pagar por esse erro durante gerações.
Por isso os gregos marcaram pontos acordando os sonolentos líderes europeus. O Governo que elegeram, depois de algumas medidas precipitadas, saiu do seu casulo e dispôs-se a discutir o problema pedindo tempo e compreensão para as questões mais graves que afectam o país. E com esta simples atitude alterou algumas regras do jogo, obrigou os seus parceiros a olhar para a Grécia como o não faziam há anos. Iniciaram as negociações numa base que há poucas semanas rejeitavam. Parecem ter percebido que, movendo-se a realidade, não podem continuar parados.
À hora a que escrevo não é possível prever que desenlace irão ter essas negociações. Mas o facto de se terem iniciado, fruto de cedências mútuas e de um espírito que parece construtivo, para que nenhuma das partes perca a face, já constitui uma novidade e é motivo de esperança.
Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa