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José Maria Brandão de Brito - Economista 24 de Junho de 2015 às 00:01

A hora da Europa

Tenho de conceder que, pelo menos desta vez, embora enleada nos seus compromissos internos e presa dos seus preconceitos, a Chanceler Merkel conseguiu assumir, com coragem, a liderança da EU.

A UE será o somatório das soluções que forem encontradas para cada uma das suas crises

 

Jean Monnet

 

Há períodos na vida das instituições em que, de repente, tudo parece estar prestes a desmoronar-se e tudo está posto em causa.

 

Inclusive a própria sobrevivência. A União Europeia atravessa um desses períodos vitais e qualquer que seja o desfecho nada voltará a ser como dantes.

 

Escrevo minutos depois de saber que, embora nada tenha ficado decidido sobre o drama grego, finalmente, após um longo braço-de-ferro que ambas as partes podiam ter evitado, se está a caminho de uma solução que permite manter o "stato quo" por mais uns tempos. Talvez os necessários para recuperar o fôlego; com "adultos na sala", é possível que se criem as condições necessárias para recomeçar. O tom do discurso de Varoufakis no Eurogrupo da semana passada e as últimas propostas gregas podem ser um bom princípio para retomar o diálogo e as negociações sem crispações desnecessárias. A verdade é que o governo grego já foi, mesmo contra vontade, reconduzido à norma dominante e perdeu a ineficaz arrogância inicial cedendo em aspectos substanciais. Os parceiros, pela primeira vez em muitas semanas, compreenderam que o que estava em causa era muito mais que a asfixia da Grécia, as humilhações e o sofrimento que lhe vinham sendo impostos (que a Comissão Europeia, através do seu presidente, há tempos, já tinha considerado excessivos): a derradeira proposta grega foi considerada 'uma boa base' para um acordo; porque o que estava verdadeiramente em causa era a sobrevivência do próprio euro e da integração europeia que, em qualquer momento, ameaçava entrar num processo de desagregação.

 

Mais, era este cenário que os Estados Unidos, discreta mas firmemente, vinham rebatendo: deixar cair a Grécia, no actual contexto geopolítico europeu, a última fronteira livre do Sul da Europa, com uma guerra em suspenso na Ucrânia, podia constituir um rude golpe para a segurança de todos os europeus.  E dessa matéria sabem, demais, os americanos várias vezes chamados de emergência a resolver os problemas que os europeus inconscientemente, ao longo de quase um século, foram criando e não foram capazes de resolver.

 

Tenho de conceder que, pelo menos desta vez, embora enleada nos seus compromissos internos e presa dos seus preconceitos, a chanceler Merkel conseguiu assumir, com coragem, a liderança da UE: sobre ela recaía a enorme responsabilidade de retirar aos contabilistas a palavra decisiva (incluindo a do seu ministro das Finanças e a do presidente do Eurogrupo) e transferir para a esfera política o poder de decisão que a gravidade da situação impunha.

 

Apesar de tudo, quando sobre a Europa for feita a História deste tempo, o balanço não pode ser muito positivo: a mesquinhez das causas e dos interesses nacionalistas transformaram um espaço de paz, liberdade e democracia, como tinha sido concebido, que se alargara a quase todo o continente, num território de divergência e retrocesso, onde falaram mais alto a tibieza das lideranças, a sua falta de visão. Uma Europa a várias velocidades que se arriscava a deixar pelo caminho alguns dos seus membros, trocando o sentido de progresso e de futuro pela demonstração de impotência que  conduz ao declínio no quadro da economia e da sociedade globais.

 

Economista. Professor do ISEG/Universidade de Lisboa

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