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25 de Dezembro de 2013 às 23:00

Um Estado descomplexado

Para aliviar a pressão externa, e oferecer esperança ao País, temos de conseguir nas duas próximas legislaturas (se respeitarmos a rotina da democracia…) taxas de crescimento da economia quase milagrosas. É possível?

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A cruzada do crescimento realizada em economias e sistemas tão díspares como a China, Índia, Rússia, Brasil, Singapura, Coreia do Sul, ou Tailândia tornaram o bolo mundial distinto, e são prova do efeito de políticas certas. Estes países acreditaram de forma persistente nas vantagens de uma economia exportadora, numa relação produtividade/salários sustentável, nos investimentos no sistema educativo e em infra-estruturas, na atracção de empresas globais, no sistema de incentivos de mercado a par de uma intervenção do Estado norteada pela estabilidade de políticas, no aproveitamento da demografia, mas também evitaram os gastos públicos excessivos que trazem dívidas, défices e desvalorizações a prazo.

O seu peso absoluto cresceu comparativamente à Europa e Estados Unidos da América. Ainda assim, não podemos esquecer que o rendimento médio por habitante é muito distante do do Velho Mundo. Uma década pode mudar muita coisa: a Rússia passou de 1.500 dólares por habitante para 13.000 dólares!

Não somos um País pobre no panorama dos 183 países do mundo. E no dos mais desenvolvidos da OCDE, ocupamos uma posição confortável. Confundimos a reduzida dimensão da riqueza absoluta com uma satisfatória riqueza relativa. Não temos vasto território, nem sol, mar e terra, nem população abundante que nos possam tornar uma potência mundial. Mas, se fizermos opções estáveis e orientadas para a criação de riqueza, aproximar-nos-emos de novo da média europeia. Resta saber se temos condições. E temos, desde que saibamos que o futuro não é o passado, mas que temos em nós, e na Europa, as capacidades para o construir.

A inteligência empresarial, organizacional e individual portuguesas são demonstradas pelo aproveitamento que fizemos do capital e tecnologia nacionais e mundiais, e pelos resultados das reformas institucionais para ingressar na União Europeia: o PIB per capita aproximou-se da média europeia até 1995. Seguiu-se um período de letargia do crescimento, em parte resultante de nos termos centrado em nós, e não no Mundo, na obsessão das políticas distributivistas, e em sucessivos erros de investimento alimentados por taxas de juro muito baixas.

Contudo, a produção de bens e serviços públicos – educação, saúde e infra-estruturas físicas e digitais comparativamente a outros países – revelou genericamente inteligência do Estado. O País modernizou-se. É verdade que falhámos pelo excesso de investimento público e privado nalgumas áreas, mas a sua existência é uma oportunidade do futuro que não devemos desperdiçar. Não seguimos as regras de mercado; criámos mercados que viveram à conta dos incentivos do Estado, que nunca mais o largaram, e que não querem a sua reforma.

Como refere Damásio, a memória é a inteligência que nos impede, ou devia impedir, de voltar a cometer o mesmo erro. A crise global e nacional que esta geração está a sofrer devia suscitar a fixação de novas regras que obstruísse o desregramento e equívocos passados, e ao mesmo tempo ajudasse, por um lado, a limitar os estragos de políticas erradas nos factores de crescimento.

O sistema partidário devia nas próximas duas legislaturas, como o fez agora numa matéria como o IRC, promover sem complexos de esquerda ou de direita, uma estabilidade de políticas essenciais dirigidas à atracção e gestão de capital, investimento interno e externo, e também de dívida, e à transformação de todos os activos portugueses. O território, a qualidade das pessoas, das infra-estruturas físicas (aeroportos, portos, rodovias, entre outros) e digitais, bem como a do nosso sistema de saúde e de educação devem ser fontes para o investimento externo e interno. Mas, a escolha dos investimentos futuros não deveria ser induzida por burocracias estatais que querem "adivinhar" o destino, mas estas deviam seguir os sinais do mundo e dos investidores.

Os Governos deveriam ser coarctados a produzir encargos futuros colossais: nenhuma geração tem o direito de endividar a próxima de forma castradora e quase perene. O bom senso partidário devia imperar. Emendemos a Constituição para impedir este descalabro opressivo que é uma dívida pública excessiva, mas respeitemos os juízos do Tribunal Constitucional. Livremo-nos dos políticos que não se entendem sobre as emendas constitucionais necessárias para proteger a sociedade dos erros conhecidos. Já agora percebam que a estabilidade de políticas macroeconómicas (princípio da confiança…) é meio caminho para o sucesso no crescimento.

Paralelamente, a criação de condições para crescermos com elevados salários, sinónimo de elevadas produtividades, é imperiosa. Estas resultam de educação, formação colectiva e individual e de adequado capital empregue por posto de trabalho. Mas, admitamos serenamente que, numa economia dinâmica, teremos sempre empresas de baixos salários, ainda que o crescimento se deva fazer nos sectores de elevadas produtividades. Enquanto não as descobrirmos, façamos um contrato social que queira manter o salário ligado à produtividade. Não há empresas sustentáveis para enfrentar a globalização, se não o tivermos.

Finalmente, a ideia de Estado social – uma tradição que nos orgulha como Europeus – deve evoluir: não deve ser uma fixação administrativista e ideologicamente absoluta, mas uma dependência da riqueza total criada pelo País. Um Estado social generoso, sem baias financeiras e capturado pelos grupos de interesse, é o caminho certo para o esvair do País.

Se fizermos o trabalho de casa, e adoptarmos princípios sãos na economia doméstica, a Europa e as novas instituições do Euro (mecanismos de estabilidade, programas cautelares entre outros) só nos podem convir. Oxalá que a política acompanhe o desafio da economia.

Presidente – Associação Projecto Farol

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