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Jorge Marrão - Gestor 14 de Outubro de 2016 às 10:00

A dívida veio para ficar

A despesa pública - a que serve os interesses quotidianos poderosos e ruidosos, e o pacto de conivência perverso entre eleitores e eleitos - manter-se-á rígida.

O exercício orçamental será, na ausência da liberdade de o Estado se endividar significativamente sem ajuda de credores oficiais, de aceleração da tributação, qualquer que seja a forma como se expressa. A liberdade, de não dependermos dos credores oficiais, perdemo-la. Esta perda de soberania orçamental perseguirá este e os próximos governos.

O jogo político tendencialmente é apenas redistributivo e conjuntural (quem vou beneficiar e quem devo penalizar). É um exercício puro de atualidade partidária: a dependência do Estado atual dos seus grupos de interesse não permite que aquele se pense estrategicamente, e independente destes interesses.

 

Este próximo OE contribuirá para o crescimento, a diminuição da dívida pública e privada, a melhoria da justiça social e/ou eficiência da sociedade? Quem e quanto tributamos, e a quem distribuímos o tributo cobrado? E esse é o exercício político por excelência. Sugiro a leitura dos documentos de Budget Watch produzidos pela Deloitte e pelo ISEG sobre as possíveis dimensões de análise de um OE.

 

Na atual situação do país, de elevado endividamento público e com o exterior, as opções orçamentais, as que diferenciam os partidos que suportam o Executivo, e a oposição, podem tornar-se apenas tecnicalidades sobre décimas em taxas de imposto, quem está ou não abrangido, detalhes dos códigos fiscais e/ou debates inconsequentes sobre os efeitos de alguns milhões de euros no estímulo económico e/ou na justiça social.

 

O Executivo não poderá ter vontade "infraestrutural". Não vai poder ser mobilizador da transformação da sociedade. Os interesses corporativos e políticos de equilíbrio da base de apoio condicionam a sua conceção. Paralelamente, a História prova-nos que, quaisquer que fossem as forças políticas que os elaboraram, a sua execução não serviu para o país crescer. E não crescemos significativamente, nem em PIB real, nem em PIB potencial. Defeito de quem: do país e/ou dos seus governos?

 

Não me recordo de não haver uma intenção bondosa na sua propositura: mas os resultados foram parcos, quanto ao efeito de tornar a sociedade mais rica (produzir mais e endividar-se menos). Estamos há algumas décadas na época dos orçamentos viciosos, e não virtuosos: têm de ser feitos, mas não produzem efeitos visíveis na riqueza do país.

 

O exercício orçamental, perante a grilheta da dívida, será sempre mais maniqueísta. Tributa-se o "mau" e alivia-se o "bom". O OE será mais ideológico (e é legítimo que assim seja) e menos de reconciliação. O Estado fará apreciações morais dos comportamentos dos seus cidadãos, para tributar mais os seus hábitos de consumo, poupança e/ou trabalho, e apontará baterias para as instituições e corporações para defender um modelo redistributivo. É a liberdade de cada um de nós, pelo crescente peso da carga fiscal, que se perde a cada exercício orçamental, perante a dívida colossal.

 

A despesa pública - a que serve os interesses quotidianos poderosos e ruidosos, e o pacto de conivência perverso entre eleitores e eleitos - manter-se-á rígida. A despesa flexível será a do investimento e dos grupos marginais da sociedade.

 

Enquanto o país não se mobilizar para a solução definitiva da dívida pública - que será naturalmente a transformação da sociedade, eliminando atuais grupos de interesse, e criando outros grupos de interesse que tornem o país competitivo no exterior e de aumento da produtividade coletiva e individual - os exercícios orçamentais serão aritméticas para diminuir os défices, sossegar credores e clientelas partidárias, e não o instrumento de excelência de crescimento económico.

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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