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17 de Julho de 2018 às 18:30

Um museu contra a Humanidade

A democracia era condenada, o comunismo ilegalizado, o racismo aceite, a perseguição e a liquidação das minorias étnicas uma prática corrente. Assim se definia o espirito do tempo.

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Nas primeiras décadas do século XX por toda a Europa surgiram partidos nacionalistas, racistas e xenófobos, baseados em ideologias totalitárias de extrema-direita e ancorados em numerosos académicos que difundiam teorias da superioridade racial de certos indivíduos.

 

Todos estes agrupamentos políticos foram liderados por criaturas nascidas e criadas no século XIX, quando a visão do mundo e da sociedade era, obviamente, muito diferente da atual.

 

Em poucos anos, muitos destes partidos chegaram ao poder instalando ditaduras fascistas. O Almirante Miklós Horthy instala-se no poder na Hungria em 1920, Mussolini assume o Governo em 1922, em 1926 na Polónia o General Józef Pilsudski promove um golpe militar e funda a II República de extrema-direita, em 1932 Salazar ascende a primeiro-ministro, Hitler torna-se chanceler em 1933, em 1934 Engelbert Dollfuss assume poderes ditatoriais na Áustria, Franco lança a sua rebelião em 1936, Ion Antonescu na Roménia declara-se o conducator (condutor/líder) na segunda metade dos anos 30.

 

Pode dizer-se que na Europa ocidental o espirito do tempo nos anos 20 e 30 eram as, então, modernas ditaduras fascistas. A democracia era condenada, o comunismo ilegalizado, o racismo aceite, a perseguição e a liquidação das minorias étnicas uma prática corrente. Assim se definia o espirito do tempo.

 

Tudo isto a propósito de um museu que o executivo da Câmara de Lisboa dirigido pela coligação Partido Socialista-Bloco de Esquerda quer construir em louvor das Descobertas portuguesas e de um dos argumentos a favor da exaltação de um dos períodos em que Portugal invadiu, ocupou, brutalizou e escravizou milhões de pessoas, especialmente pessoas Negras, nas várias partidas do globo, impondo uma forma muito particular e cruel de (in)civilização.

 

O argumento, que vem sido repetido à exaustão pelos mais brilhantes intelectuais e académicos, é o de que não podemos olhar a História pelos olhos de hoje, que na época todas essas atividades que hoje consideramos criminosas eram aceites e normais.

 

Pensarão os mesmos autores que seria defensável hoje construir um Museu com a apologia do III Reich com base nesse argumento? Devem os espanhóis erigir um museu a glorificar Franco ou os italianos Mussolini? Na verdade na sua época é que eram glorificados e as suas ações consideradas normais pela maioria dos países ocidentais.

 

Ou pelo contrário devemos considerar que os grandes valores humanos, a liberdade, a igualdade e a fraternidade, são universais em extensão, i.e. aplicáveis em todo o mundo, e em profundidade, i.e. devem servir de critério para todas as épocas?

 

Perceber o espirito de uma época não é glorifica-lo, é entender que em muitas dessas épocas foi a crueldade, a desumanidade e a cobiça que triunfou e, através de uma reflexão critica entender o que devemos fazer para que esses crimes não se repitam. É por isso que na Alemanha há museus sobre o Holocausto e não sobre a expansão hitleriana.

 

Na verdade só analisando criticamente o passado podemos construir um melhor futuro. Glorificar o crime, aceitar como legítima no passado a desumanidade, sob que argumento for, é o primeiro passo para a justificar no presente.

 

É por isso que este Museu não deve ser construído.

 

Economista

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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