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Jorge Fonseca de Almeida - Economista 06 de Agosto de 2019 às 16:50

Almada Negreiros

O Estado Novo procurou instrumentalizar o génio de Almada Negreiros encomendando-lhe vários trabalhos e nomeando-o para algumas funções decorativas, mas nunca conseguiu impedir a sua expressão livre e própria.

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A memória é parte integrante da identidade dos povos. Portugal é, e sempre foi, uma sociedade diversa composta de vários grupos étnico-raciais. No entanto a história não regista de igual modo a memória das várias comunidades, escondendo umas e realçando apenas outra. Uma das técnicas de silenciamento consiste em esconder a origem étnico-racial de alguns vultos da cultura portuguesa fazendo-os passar por brancos quando afinal não o eram.

 

Almada Negreiros, vulto maior da cultura portuguesa do século XX, impulsionador do movimento modernista, pintor, desenhador, escritor espraiando-se pela poesia, dramaturgia, ensaio e romance, foi também um dos fundadores da Orpheu a revista literária com maior impacto nas artes portuguesas. Aí colaboraram Fernando Pessoa e Mário Sá-Carneiro entre outros.

 

Nasceu em São Tomé em 1893 filho de um militar português e de sua esposa santomense, Elvira Sobral de Almada Negreiros, que morreu escassos anos depois do seu nascimento.

 

A sua obra monumental começou na dramaturgia em plena I República, um período de grande pujança do movimento negro em Portugal. Entre as suas peças mais conhecidas estão "Deseja-se Mulher" de 1928, em que rompe com a conceção clássica e apresenta uma estrutura fragmentária colocando o espectador dentro do espetáculo.

 

Na pintura quem não conhece o célebre retrato de cariz futurista que pintou de Fernando Pessoa, concebido muitos anos após a morte do amigo por encomenda da Fundação Calouste Gulbenkian replicando um primeiro executado anos antes. Quem não conhece a sua obra polifacetada e incrivelmente inovadora.

 

Quem não conhece o "Manifesto Anti-Dantas", escrito contra o Júlio Dantas (1876-1962) um escritor medíocre e um político vira casacas deputado na monarquia, ministro na I República e embaixador durante a ditadura Salazarista – quem não recorda "Basta Pum Basta! Uma Geração, que consente deixar-se representar por um Dantas é uma geração que nunca o foi! É um coio d’indigentes e de cegos! É uma resma de charlatães e de vendidos, e só pode parir abaixo de zero! Abaixo a geração! Morra o Dantas, Morra! Pim!"

 

Quem nunca viu os magníficos painéis de azulejos que pintou e que se encontram espalhados um pouco pela cidade, nomeadamente os da gare marítima de Alcântara ou os do Tribunal de Contas?

 

Quem nunca parou para admirar seu o painel, de motivos geométricos, no atraio de entrada da Fundação Gulbenkian.

 

Por educação e condição era politicamente conservador. O Estado Novo procurou instrumentalizar o génio de Almada Negreiros encomendando-lhe vários trabalhos e nomeando-o para algumas funções decorativas, mas nunca conseguiu impedir a sua expressão livre e própria.

 

Muito sabemos de Almada Negreiros. O que nunca nos contam é que era negro.

 

Economista

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