Opinião
Uma greve ilegal
Novos ricos da República Popular da China, milionários indonésios ou trabalhadores indiferenciados da Tailândia ou Filipinas são por igual criticados por indisciplina, congestão de serviços públicos, arrogância, contribuição para a especulação imobiliária.
Quatro motoristas da República Popular da China são quinta-feira presentes a tribunal em Singapura por participação na primeira "greve ilegal" na cidade-estado desde 1980.
Os imigrantes recusaram comparecer ao trabalho durante dois dias no final de Novembro num acto de protesto que envolveu motoristas chineses da "SMRT", uma das duas empresas públicas de transporte de passageiros.
Um dos grevistas foi já condenado a seis semanas de prisão e outros 29 deportados nos termos da lei que obriga a um pré-aviso de greve de 14 dias nos "sectores essenciais" (transportes públicos, saúde e bombeiros), interditando paralisações de trabalho e "lock-outs" nos serviços de electricidade e águas.
Os imigrantes mantiveram-se nos seus dormitórios e faltaram ao serviço, alegando más condições de alojamento e discriminação em relação a colegas locais e a trabalhadores oriundos da Malásia.
O protesto envolveu 171 motoristas a 26 de Novembro e 88 no segundo dia de greve, apesar dos trabalhadores arriscarem perda do visto de trabalho e deportação, pena de prisão até um ano e/ou multa de 2000 dólares de Singapura (1254 €).
A mão-de-obra vinda da China representa 22% dos cerca de 2 mil motoristas da frota rodoviária e ferroviária da "SMRT" e a empresa, apesar de admitir o bem fundado de algumas das queixas dos trabalhadores, acatou a política de "tolerância zero" quanto a acções laborais ilegais definida pelo governo.
A greve dos motoristas chineses chamou a atenção para a insustentável crise de recursos laborais no mais próspero país do Sudeste da Ásia que praticamente conhece uma situação de pleno emprego.
Imigrantes oriundos sobretudo do Sudeste Asiático, Paquistão, Índia, Bangladesh e China asseguram a maioria da mão-de-obra não-especializada ou de baixa qualificação nos sectores industrial, da construção, transportes, limpezas e serviços domésticos.
Os 3,3 milhões de cidadãos de Singapura convivem com cerca de 2 milhões de estrangeiros numa cidade-estado onde predomina a população de etnia chinesa (cerca de 70%), seguida de malaios (13%) e indianos (9%).
Um terço da mão-de-obra (1,23 milhões de pessoas) é estrangeira e têm subido de tom as queixas num tom chauvinista contra a presença excessiva de imigrantes.
Novos ricos da República Popular da China, milionários indonésios ou trabalhadores indiferenciados da Tailândia ou Filipinas são por igual criticados por indisciplina, congestão de serviços públicos, arrogância, contribuição para a especulação imobiliária.
Os vencimentos dos imigrantes, na ausência de salário mínimo, variam em regra entre os 500 (314€) e os 2000 dólares de Singapura (1254 €), abaixo do salário médio dos cidadãos locais e residentes permanentes que em 2011 se cifrava em 3250 dólares de Singapura (2038 €).
O "Partido de Acção Popular" (PAP), na governação desde 1959 e poder indisputado desde a secessão da Federação da Malásia em 1965, garante através de uma rede de patrocínio e controlo estrito de recursos a concertação entre administração pública, patronato e sindicatos (a última greve legal ocorreu em 1986).
A representação sindical de trabalhadores imigrantes é muito limitada e as organizações laborais subordinam-se de facto às estratégias governamentais do PAP que nas eleições de Maio de 2011 obteve 60% dos votos, o seu pior resultado desde 1965, ficando mesmo assim com 81 dos 87 mandatos parlamentares.
O autoritarismo do PAP teve êxito ao garantir a criação de um centro industrial, de serviços e financeiro de alta reputação, mas Singapura enfrenta presentemente dificuldades para suster a concorrência de novos pólos regionais e o efeito negativo da recessão da eurozona.
A tentação para limitar o mais possível a contratação de mão-de-obra estrangeira altamente qualificada faz-se sentir, mas os efeitos ameaçam revelar-se contraproducentes.
Uma taxa de natalidade baixíssima (1,37 nascimentos por mulher), a relutância dos cidadãos de Singapura em aceitarem trabalhos pesados e mal pagos, a ausência de ganhos de produtividade nos sectores industriais e de serviços, impossibilitam dispensar mão-de-obra imigrante seja nos escalões de qualificações mais baixos ou nos mais altos.
O patriarca fundador da moderna Singapura, o brilhante e intolerante Lee Kuan Yew, sempre advertiu para o risco da pequena cidade-estado ser submersa pela selva e anarquia tropicais se não acatasse as directivas da meritocracia desenvolvimentista que o PAP alegadamente representa.
Agora, Singapura começa a confrontar-se com o imperativo de integrar uma crescente mão-de-obra estrangeira que cedo ou tarde começará a pesar politicamente.