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19 de Fevereiro de 2014 às 00:01

Um rapaz de Florença

Renzi surge com o habitual rosário de promessas de rapidíssima implementação de reformas fiscais, laborais e o que se queira, mas a configuração da sua grande coligação que pretende agregar será tudo menos politicamente consistente.

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Para chegar a primeiro-ministro Matteo Renzi traiu a promessa de se apresentar previamente a eleições e acaba assim por tornar-se num putativo chefe de governo carente de mandato popular.

Abrupto e ríspido, afastou o seu parceiro Enrico Letta dois meses após garantir a liderança do "Partido Democrático" em eleições primárias numa altura em que o primeiro-ministro perdia apoios entre as confederações patronais e sindicais e as sondagens indiciavam um reforço do centro-direita nas intenções de voto.

Aos 39 anos o presidente da câmara de Florença apresenta-se como um líder determinado apostado em avançar com reformas de fundo para garantir uma futura maioria de centro-esquerda, mas reza a experiência que muito terá de penar.

De governo em governo

Mario Monti foi a solução tecnocrática de recurso depois de Silvio Berlusconi abandonar o governo em Novembro de 2011 e a austeridade imposta para estancar a escalada despesista acarretou nas eleições de Fevereiro de 2013 o ascenso populista do movimento "Movimento 5 Stelle" de Beppe Grillo, enquanto as forças de centro-esquerda falhavam a maioria.

A heteróclita coligação de esquerda liderada por Pier Luigi Bersani – à frente do PD desde 2009 – quedou-se pelos 29,5 %, enquanto uma não menos conflitual frente de centro-direita, ainda dinamizada por Berlusconi, obtinha 29,18 % e os populistas de Grillo 25,5% o que confirmou um impasse político de alto risco.

Calhou a Letta substituir o falhado Bersani e constituir um executivo de grande coligação, dos fiéis de "Il Cavaliere" à "Scleta Civica" de Mario Monti (que fracassada a aposta na política partidária rapidamente se afastou de uma formação que só conseguira 8,3% dos votos), condenado por definição a uma governação de circunstância agravada pelas agruras judiciais de Berlusconi.

Sendo a política italiana aquilo que é o grande êxito de Letta foi conseguir evitar que a discórdia partidária impedisse uma laboriosa saída da recessão com a economia a crescer 0,1% no último trimestre de 2013 pondo fim a dois anos de recessão.

Todos os indicadores confirmam, por outro lado, que reformas da justiça, ao mercado laboral, passando pela banca e a liberalização do sector de serviços, se fazem esperar carecendo, contudo, de apoios sociais para sustentar uma maioria política que de momento não se vislumbra.

A dívida de 130 triliões de euros equivale a 133% do PIB, que caiu cerca 9% nos últimos sete anos, o desemprego atingiu os 13% (42% entre os jovens) e sem perspectivas de crescimento a curto prazo, a regressão e perda de competitividade da terceira maior economia da eurozona ameaçam degenerar numa crise insolúvel no quadro da moeda única.

Depois da porcalhota

O presidente da câmara de Florença conseguiu um compromisso de base com Berlusconi em Janeiro para rever a legislação eleitoral da porcalhota (a "porcata" no dizer do então ministro das reformas Roberto Calderolli) imposta em 2005 pelo governo de centro-direita e declarada inconstitucional em Dezembro de 2013 ao permitir nomeadamente que o partido maioritário obtivesse como bónus 55% dos mandatos.

O acordo entre Renzi, Berlusconi e o seu antigo braço-direito e rival desde o final do ano passado Angelino Alfano, genericamente vai no sentido de reduzir as prerrogativas do Senado e das regiões, prevê um bónus de 18% para partidos ou coligações que obtenham 35% dos votos, nova eleição se nenhum competidor atingir esse patamar, além de fixar em 5% o mínimo para representação parlamentar de formações políticas concorrentes em coligação, 12% para coligações e 8% para partidos isolados.

Pelos cálculos à esquerda e à direita será assim possível garantir blocos de governação, eliminado a presença parlamentar e capacidade de negociação de pequenos partidos, ainda que a instabilidade no seio das próprias forças maioritárias seja um dos principais óbices à estabilidade do sistema partidário.

Buongiorno a tutti!

Com este acordo, que sujeito a modificações difíceis de prever deverá chegar a letra de lei antes das eleições para o Parlamento Europeu em Maio, espera o político florentino ganhar corpo para ultrapassar o turbilhão político que a próxima votação trará em Itália e toda a Europa e posicionar-se como líder de uma coligação de esquerda capaz de triunfar na eventualidade da convocação de legislativas antecipadas antes de 2018.

Renzi surge ainda com o habitual rosário de promessas de rapidíssima implementação de reformas fiscais, laborais e o que se queira, mas a configuração da sua grande coligação que pretende agregar será tudo menos politicamente consistente.

Impetuoso e desafiador Renzi quer levar ao executivo desde os ecologistas de esquerda de Nicola Vendola aos fiéis ("Forza Italia") e renegados ("Nuovo Centrodestra" de Angelino Alfano vital para assegurar a maioria entre os 320 senadores) da esfera Berlusconi, ao mesmo tempo que a contestação grassa no PD.

O jovem florentino logo ao abrir negociações para formação de governo queimou nomes de putativos ministros que foi apresentando como credíveis e de primeira escolha (a economista Lucrezia Reichlin, o empresário Andrea Guerra, por exemplo) o que dá para perceber que tem muito para aprender, sobretudo quando tiver de apurar quanto pesam as ambições de seus rivais e dos aliados que desfeitiou.


Jornalista

barradas.joaocarlos@gmail.com

http://maneatsemper.blogspot.pt/



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