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20 de Dezembro de 2016 às 20:05

Perfilados de medo

Escapar ao medo é difícil quando a ameaça se agiganta e pelo ataque de Berlim Angela Merkel pagará caro por subestimar os riscos de segurança da morosa triagem e integração de mais de um milhão de migrantes.

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Perfilados de medo, agradecemos

o medo que nos salva da loucura.

Decisão e coragem valem menos

e a vida sem viver é mais segura.
Alexandre O' Neill

 

Ainda antes de serem apuradas a identidade, eventuais cumplicidades e motivação do(s) autor(es) do atentado, ficou claro para a opinião pública alemã pela forma de actuar e o simbolismo do local que o radicalismo terrorista jihadista não seria alheio à matança.

 

Em Julho um ataque num comboio em Würzburg por um requerente de asilo paquistanês que entrara na Alemanha alegando ser afegão e o fracassado atentado suicida em Ansbach de um sírio a quem fora recusado estatuto de refugiado já tinham inquinado irreversivelmente o debate político.

 

2016 começara, aliás, da pior maneira com uma vaga inusitada de agressões sexuais na passagem de ano em cidades como Colónia ou Hamburgo envolvendo grande número de magrebinos.

 

Nos meses seguintes foram notícia detenções de suspeitos de conspirações terroristas e incidentes violentos diversos com candidatos a asilo e refugiados do Médio Oriente, Magrebe, Corno de África, Balcãs e Afeganistão.

 

Os acolhidos ao abrigo da política de aceitação irrestrita de migrantes que Merkel tentou em vão impor em 2015 a outros estados da UE acabaram na primeira linha de suspeitos pelo incremento da criminalidade e factor acrescido de ameaças terroristas.

 

No final do primeiro semestre deste ano as estatísticas oficiais eram inclementes: entre 322 mil pessoas aceites com estatuto de refugiado 141 mil estavam desempregadas; outras 220 mil aguardavam deportação ainda que a maioria não tivesse possibilidade de retorno dado o estado de guerra nos países de origem.

 

Merkel justificou o imperativo ético de ajuda com o argumento de que emigrantes jovens dinamizariam uma Alemanha carente de mão-de-obra, ignorando todas as considerações sobre habilitações pouco propícias à incorporação laboral, riscos de permanências a curto e médio prazo relutantes a integração ou incompatilidades culturais.

 

Que atentados sejam perpetrados por terroristas ideologicamente motivados e/ou apoiados por redes jihadistas, por indivíduos assolados por transtornos psiquiátricos em actos de imitação de violência extrema e indiscriminada, torna-se irrelevante a partir do momento em que fica em dúvida a garantia de segurança que o estado democrático deve prover.

 

É, ademais, irrelevante em termos da memória vaga da opinião pública condicionada pelos confrontos de propaganda e viés dos media que a vaga terrorista na Alemanha e na Europa ocidental nos anos 80 e 90, obra de extremistas de esquerda e direita ou nacionalistas secularistas palestinianos ou arménios, tenha sido muito mais mortífera do que a mais recente investida jihadista.

 

O jihadismo sunita na vertente terrorista de extermínio e apocalíptica é, agora, inevitável e justamente considerado uma ameaça civilizacional e existencial.

 

A chanceler paga por tudo o que depreciou.        

 

As desfeitas nas eleições regionais deste ano e as disputas com os social-cristãos da Baviera auguram um 2017 difícil para a candidatura a um quarto mandato.

 

A reacção xenófoba favorece a "Alternativa para a Alemanha". O partido fundado em 2013 para reivindicar a saída do euro e presente actualmente em 10 dos 16 parlamentos estaduais tem entrada garantida no Bundestag.

 

Os bons resultados dos liberais nas eleições estaduais permitem-lhes, por sua vez, aspirar a superar o trauma das legislativas de 2013 quando ficaram aquém dos 5% necessários à representação no parlamento federal.

 

A chanceler terá, assim, extrema dificuldade em liderar no próximo ano uma coligação apenas com os social-democratas, igualmente penalizados pela deterioração das condições de segurança e integração de migrantes, no quadro de um parlamento em que contam ainda à esquerda a Aliança '90/ Verdes e Die Linke.

 

Políticas económicas e financeiras vão, portanto, sofrer alterações de fundo e a margem de manobra de Merkel será cada vez menor para acertar alianças numa UE às voltas com o Brexit, a arrogância de Putin, a incógnita Trump e a desordem no Magrebe e no Médio Oriente. n

 

Jornalista

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