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15 de Dezembro de 2015 às 19:55

O camarada chinês

O estimado investidor Guo Guangchang é apenas mais uma baixa nas campanhas de purga permanente e mobilização patriótica sob a liderança clarividente do Partido Comunista impostas pelo presidente Xi Jinping para legitimação do poder.  

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Desde o final de 2012, Xi acumulou tanto poder quanto Deng Xiaoping no auge das reformas dos anos 80 e 90, promoveu um culto da personalidade inspirado em Mao Zedong e orquestrou inquéritos a actos de corrupção que alastraram a todos os escalões da administração, a empresas públicas e, mais recentemente, ao sector privado.    

 

A vaga anticorrupção (tomada, essencialmente, num sentido lato de abuso de poder em proveito próprio e apropriação indevida de bens públicos) visou alvos muito bem definidos e abateu rivais de peso do presidente.

 

Caça ao tigre

 

Na caça aos "tigres" (altos responsáveis do PC) foram abatidos três membros da comissão política que tutelavam áreas militares e de segurança - Zhou Yong-kang, Xu Caihou e Guo Boxiong, enquanto se discutiam as agruras de transição para uma economia a orientar no sentido da prevalência do consumo interno.

 

Dois responsáveis de instituições de representação e consulta, Su Rong e Ling Jihua,  foram também detidos, além dos vice-presidentes das câmaras de Xangai e Pequim, Ai Baojun e Lu Xiwen, que arriscam o destino de Bo Xilai, ex-homem-forte de Chongqing (município de 29 milhões de habitantes no centro do país dependente do governo central) condenado em 2013 a prisão perpétua.

 

A esmagadora maioria de filhas/os e netas/os de líderes do partido (caso do próprio   presidente, filho de Xi Zhongxun, veterano da primeira geração comunista no poder) tem sido poupada às purgas.

 

Os chamados "príncipes vermelhos" fizeram fortuna (como a irmã mais velha de Xi, Qi Qiaoqiao), mas, raramente têm sido perseguidos.

 

Li Xiaolin, filha do antigo chefe do governo Li Peng, sobreviveu a denúncias fundadas de corrupção, tendo contudo de abandonar a direcção de uma das maiores companhias de electricidade da China para passar a dirigir uma empresa de menor dimensão.

 

Recentes denúncias quanto à fortuna de Zeng Wei, filho do ex-vice-presidente Zeng Qinghong, aparentam fazer parte de uma campanha contra o pai que visa atingir grupos de interesses ligados aos aliados do antigo chefe de estado e do partido Jiang Zemin.         

 

Moscas e bilionários

 

Ao conhecimento público chegaram, por outro lado, casos de dezenas de milhares de quadros do partido que acumularam fortunas equivalentes a dezenas de milhões de euros, valendo como exemplo Wu Changshun, chefe da polícia de Tianjin (porto do nordeste com 15 milhões de habitantes e um dos quatro municípios directamente controlados pelo governo central), ou Liu Zhinjun, ministro dos Transportes Ferroviários.

 

A incessante campanha anticorrupção arruinou a alegada probidade dos cerca de 85 milhões de membros do partido e tenderá, talvez, a amainar à medida que os jogos de alianças tenham necessidade de se consolidar ao aproximar-se o 19º Congresso do PC no final de 2017.

 

A par dos abusos nos escalões médios e mais baixos do partido e administração pública ("caça à mosca") as investigações nas empresas estatais têm vindo a produzir milhares de condenações e uma vertente recente incide sobre a tradicional falsificação de dados estatísticos oficiais, com a denúncia de manipulação sistemática em Heilongjiang, Jilin e Liaoning, províncias do depaurado nordeste industrial.

 

O arbítrio 

 

A detenção expedita em local incerto, por tempo indeterminado, motivo não-publicitado, e obrigando a silêncio sobre a matéria por parte do indivíduo sujeito a interrogatório, faz mossa, por sua vez, entre os grandes empresários.

 

Uns ficam "incontactáveis" durante meses e acabam libertados sem acusação formal, caso este ano de Lei Jie, presidente da "Founder Securities" de Xangai, associada do "Crédit Suisse".

 

Outros perdem protecção política e são condenados como sucedeu em 2010 ao magnata do comércio a retalho de artigos electrónicos Huang Guangyu, que cumpre 14 anos de prisão.

 

O destino do camarada chinês convertido em homem de negócios é sempre incerto dada a natureza do sistema de capitalismo de estado sob tutela do partido que obriga a negociar a alocação de recursos, licenças e créditos com os entes do poder comunista.

 

O expediente

 

O poder do partido é arbitrário por definição e, consequentemente, os estatutos de parceiro ou tolerado nas áreas de negócio em que o estado admite empresários privados ou cooperativas podem alterar-se bruscamente.

 

As campanhas anticorrupção, lideradas por Wang Qishan, um dos sete membros da Comissão Política, ilustram não só a corrupção inerente ao capitalismo de estado comunista, mas, ainda, a impossibilidade de instauração de regras de direito passíveis de obstarem ao arbítrio do poder.

 

A turbulência bolsista em Xangai e Shenzen, os riscos do alto endividamento público e privado, a crescente fuga de capitais, até pela via dos casinos de Macau, a especulação cambial avivada pela desvalorização do yuan, justificam a mais recente vaga de investigações e detenções em empresas financeiras chinesas.

 

O camarada Guo diz-se bem comportado e patriota, cumpre suas obrigações nas instituições que o estado criou para simular mecanismos de consulta e investe muito acima das suas possibilidades.

 

Contudo, bastou saber-se, em Agosto, de que estaria envolvido em negócios com Wang Zongnan, presidente de uma empresa estatal do ramo alimentar, condenado por um tribunal de Xangai a 18 anos de prisão por apropriação ilícita de bens públicos e suborno para a estrela de Guo empalidecer.     

 

Jornalista

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