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Opinião
27 de Agosto de 2014 às 00:01

Guerra em lume brando

Vladimir Putin e Petro Poroshenko cumprimentaram-se na capital da Belarus e a guerra seguiu o seu redemoinho de fogo calcinando esperanças de paz até que outro confronto maior venha aplacar a contenda ucraniano-russa.

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Antes do encontro, Poroshenko, cumprindo um dos pontos do programa que o levou à presidência em Maio, antecipou as eleições legislativas ucranianas de 2017 para 26 de Outubro.

 

As sondagens, excluindo as regiões em guerra, indicam que o eleitorado favorece uma maioria dita pró-europeia, apoiando, sobretudo os partidos de Poroshenko e da antiga primeira-ministra Iulia Timoshenko, mas a influência de radicais como Oleg Liashko, outros nacionalistas e forças de extrema-direita, está ainda por definir.

 

Reformas numa economia que sofrerá previsivelmente uma quebra de 6% este ano   e necessitará de novos empréstimos do FMI, a somar-se aos 17 mil milhões de dólares concedidos desde a queda de Viktor Yanukovitch, precisam de alianças parlamentares minimamente estáveis, mas o factor guerra é a principal condicionante das eleições de Outubro.

 

A pecha da Crimeia 

 

Nenhum partido ucraniano está disposto a reconhecer a anexação russa da Crimeia e a aceitação de um cessar-fogo por tempo indeterminado deixando áreas de Donetsk e Lugansk sob controlo de milícias separatistas porque tal iniciativa implicaria o reconhecimento de legitimidade política ao inimigo e delimitaria um território onde forças pró-russas poderiam consolidar posições.  

 

Na Transdnistria, na Ossétia do Sul e na Abkázia tréguas para negociações políticas serviram os interesses separatistas favorecidos por Moscovo, redundando em actos de secessão territorial, e estes exemplos estão bem presentes em Kiev. 

 

Mantendo-se o apoio do Kremlin às forças separatistas, próximas ofensivas do exército ucraniano não conseguirão em absoluto extripar as mílicias pró-russas, enquanto se agrava o fosso entre as populações russófonas, predominantes em Kharkiv, Donetsk, Lugansk e Zaparozhia, e as regiões ocidentais.

 

A federalização da Ucrânia, única forma de integrar o leste russófono - onde predominam indústrias de mineração, químicas e metalúrgicas muito ligadas ao mercado russo -, é cada vez mais difícil e a Crimeia envena futuras negociações.

 

A península russa, de onde Stalin expulsara a população tártara acusada de conivência com os nazis, foi integrada na Ucrânia soviética em Fevereiro de 1954 numa manobra de Nikita Krushov para conseguir o apoio do secretário-geral do PC ucraniano Oleksii Kirichenko contra o primeiro-ministro Georgui Malenkov na luta pela liderança.

 

Os conflitos entre os hierarcas comunistas abertos com a morte de Stalin em Março de 1953 deixaram a sua marca tanto mais que à época a absorção formal pela República Soviética Socialista da Ucrânia de mais de 800 mil russófonos contribuía para obviar a tentações separatistas ou autonomistas em Kiev, tal como a emigração russa para os estados bálticos na mesma altura acelerava a sovietização e russificação.

 

Moscovo, independentemente do regime político, sempre tenderá a assumir a superioridade no Mar Negro ante forças da NATO e, portanto, não abdicará da sua principal base naval em Sevastopol e da Crimeia de maioria russa.

 

Actos e consequências

 

A anexação, o "Anschluss" putinista, seguiu padrões conhecidos que reavivam nos estados bálticos o temor da conjugação de interesses de uma minoria potencialmente irredentista com um estado vizinho anexi onista disposto a manipular conflitos étnico-religiosos e políticos com intuitos expansionistas.

 

O restauracionismo da grande Rússia, apelando à solidaridade de cerca de 25  milhões de russos no seu chamado "estrangeiro próximo" (antigos domínios imperiais russos e soviéticos), tem consequências imediatas que levam justificadamente a Lituânia, a Letónia e a Estónia, apoiadas pela Polónia, a exigir que a NATO reoriente sistemas de defesa anti-mísseis e reforce presença militar na frente leste.

 

Encadeadas com outros conflitos do Próximo Oriente, ao Cáspio e Golfo Pérsico, onde a ponderação de apoios russos conta, as negociações sobre a guerra de facto que Moscovo move e alimenta contra Kiev no leste da Ucrânia complicam-se ainda pelas repercussões nos abastecimentos de gás russo à Europa Central e Ocidental e consequências negativas para certos países, entre eles a Alemanha, das sanções impostas à Rússia que irão demorar a produzir efeitos políticos.

 

Pouco dispostos a assumir sacrifícios económicos, a maior parte dos estados da UE - mesmo que o veredicto sobre a destruição em Julho do voo MH17 da "Malaysia Airlines" venha a confirmar fundadas suspeitas sobre as responsabilidades dos separatistas pró-russos - teme assumir as consequências políticas dos actos de Putin que representa uma entidade radicalmente alheia a valores fundamentais da democracia e age de forma hostil e ofensiva sempre que os opositores manifestam sinais de fraqueza.       

 

A linha da frente

 

Pouco adiantam alvitres para concessões como a sugestão, aventanda por Berlim, de que o acordo de comércio livre entre a Ucrânia e a UE, a ratificar pelo parlamento de Kiev antes da sua dissolução formal em Setembro, não obsta a uma eventual cooperação alargada com a "União Euroasiática", patrocinada por Moscovo e integrando a Belarus e o Cazaquistão a partir de Janeiro de 2015.

 

Sugerir que a Ucrânia não integrará a NATO é sublinhar o óbvio dado que, tal como a Geórgia envolvida na guerra com a Rússia em 2008, Kiev tem disputas fronteiriças que impedem a adesão que consagra garantias essenciais.

 

O Tratado do Atlântico Norte, de 1949, estipula no Artigo V que uma agressão militar contra um estado signatário será considerada um ataque a todos os membros da Aliança e implica a prestação de assistência pelos demais aliados,  designadamente, através do emprego de força armada.

 

Vacilar nesta questão é pôr em causa um princípio essencial de dissuação e defesa mútua e nos estados da linha da frente, no Báltico e na Polónia, impõe-se reafirmar este princípio.

 

Na incerteza dos  incidentes de guerra, os termos para uma negociação política sobre o conflito ucraniano-russo vão a curto prazo ser enquadrados pelas relações de força que as eleições para a "Rada" de Kiev venham a definir e as garantias que a cimeira da NATO em Cardiff na próxima semana aprove em defesa dos seus estados da linha da frente.    

 

Jornalista

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