Opinião
Esse homem fatal
Sem condições políticas para reformas de fundo, em particular para aumento da competitividade, a Itália tenderá a acentuar a incerteza na zona euro
Sobreviva ou pereça esta quarta-feira, o governo de Enrico Letta pouco mais pode tentar assegurar do que fechar as contas italianas de 2013 com um défice orçamental inferior a 3% do PIB.
A instável coligação saída das eleições de Fevereiro ficou ferida de morte pela vingança de Silvio Berlusconi ao exigir a demissão dos cinco ministros de "Ill Popolo della Libertà" (PdL).
Os pretextos aventados por "Il Cavaliere", em particular a oposição à entrada em vigor do aumento do IVA de 21% para 22%, soaram a falso e mais pareceram uma chantagem sobre o Senado que sexta-feira começará a analisar a eventual expulsão do ex-primeiro-ministro.
Na eventualidade de ser defenestrado do Senado, Berlusconi perde imediatamente a imunidade parlamentar e fica exposto a novos processos judiciais.
Em 1 de Agosto, foi confirmada em última instância a sentença por um tribunal de Milão em Outubro de 2012 da condenação de Berlusconi a quatro anos de prisão por fraude fiscal, após amnistia reduzida para um ano de prisão domiciliária ou trabalho comunitário, sendo ainda incerta a duração da interdição de candidatura a cargos políticos (um a três anos).
O presidente Giorgio Napolitano recusou no final de Agosto nomear Berlusconi senador vitalício e escusou-se, assim, a conceder imunidade a "Il Cavaliere" que se vê confrontado, pela primeira vez, com uma condenação sem apelo após uma saga de centenas de processos judiciais desde a década de 80.
A "vendetta" de Berlusconi levou alguns dos seus acólitos, incluindo o fiel vice-primeiro-ministro e ministro do interior, Angelino Alfano, a contestarem a decisão do líder, mas as consequências de uma cisão no PdL ainda estão por esclarecer.
Para Letta a coligação conseguida em Abril entre o seu "Partito Democratico", a "Selta Civica", dos apoiantes do ex-primeiro-ministro Mario Monti, e o PdL pouco mais tem para dar.
Compromissos de legislatura, caso dissidentes do PdL e representantes do "Movimento 5 Stelle" do comediante Beppe Grillo lhe garantam um voto de confiança no Senado, pouca credibilidade terão e de nada valerá a maioria do centro-esquerda na Câmara de Deputados.
Berlusconi redenominou o seu partido como "Forza Italia!", evocando o auspicioso ano de 1993 com a fulgurante entrada do magnata da "Mediaset" na política, e mesmo sem imunidade parlamentar, sob prisão domiciliária ou penando trabalho comunitário, aposta na repetição de um impasse no caso de novas eleições no início de 2014.
Provavelmente, é capaz de não falhar muito o cálculo.
Em Fevereiro, o eleitorado italiano rejeitou a via de reformas encetada por Mario Monti, propiciou a ascensão dos populistas anti-sistema de Beppe Grillo e confirmou o impasse entre blocos de esquerda e direita.
Desta feita, novo abalo político, mesmo se Letta conseguir prolongar o mandato e ultrapassar a "vendetta" de Berlusconi graças ao apoio de Alfano e demais contestatários de "Il Cavaliere", além dos populistas de Grillo, reduzirá a credibilidade do executivo.
A estagnada terceira maior economia da eurozona, que na melhor das hipóteses crescerá 0,7 % em 2013, conta com uma taxa de desemprego de 12% (40% entre os jovens), e está condenada a aumentar a pressão fiscal devido a uma dívida pública prestes a cifrar-se em 130% do PIB.
Sem condições políticas para reformas de fundo, em particular para aumento da competitividade, a Itália tenderá a acentuar a incerteza na zona euro.
Ainda que o Tribunal Constitucional alemão venha a aprovar a legalidade da compra de dívida pública no mercado secundário de Mario Draghi, o BCE terá de intervir a curto prazo para sustentar o acesso de Roma aos mercados financeiros e isso acentuará dúvidas no núcleo AAA do euro (Alemanha, Finlândia, Holanda) quanto à fiabilidade das políticas de austeridade e apoios financeiros a estados como a Grécia e Portugal.
A "Fitch" foi a primeira agência a admitir degradar a notação de Roma, presentemente BBB+, na eventualidade dos objectivos orçamentais não serem atingidos e qualquer que seja a saída desta crise impõe-se um ponderoso cálculo sobre a credibilidade das opções económicas e financeiras de Itália na ausência de consensos políticos.