Opinião
Coisas insensatas
Tentar deixar na sombra quanto o Reino Unido será obrigado a ceder nos próximos anos em matéria de soberania num novo quadro institucional da UE é má política e poucas hipóteses de êxito terá
No primeiro mês em funções o novo governador do "Banco de Inglaterra", Mark Carney, foi lesto em dois gestos simbólicos: a confirmação da escolha de Jane Austen para a nova nota de 10 libras e o aviso de que tão cedo não recorrerá a um aumento das taxas de juro.
O canadiano indicou que os altos "yields" das obrigações britânicas, ao arrepio da recuperação económica que se faz sentir, obrigam a prosseguir com uma política de "alívio quantitativo", ao lado do BCE, face às incertezas quanto aos efeitos que terá o abandono a curto prazo dos incentivos à economia norte-americana por parte da "Reserva Federal".
Neste Julho que finda um factor político condicionou ainda a opção de Carney: a aprovação na "Câmara dos Comuns" de uma proposta de lei do deputado conservador James Wharton para a convocação de um referendo em 2017 sobre a participação do Reino Unido na "União Europeia".
O boicote à votação de trabalhistas e também dos liberais, parceiros da coligação governamental de David Cameron, não impediu a passagem por 304 votos da proposta que será apreciada na especialidade em Novembro.
Os trabalhistas fizeram, contudo, questão de afirmar através do seu ministro-sombra dos Negócios Estrangeiros, Douglas Alexander, que o partido mantém o apoio de princípio a um referendo se tiver lugar uma transferência de poderes soberanos fulcrais do Reino Unido para a UE.
Cameron, por seu turno, mantém a estratégia de que após as eleições legislativas de
2015 será altura de convocar um referendo, provavelmente em 2017, caso Londres não consiga levar os seus parceiros europeus a aceitarem concessões por definir, mas que na frente económica e financeira implicam, essencialmente, o pleno acesso ao "Mercado Único" e manutenção do estatuto da "City".
Como os demais parceiros europeus, Cameron está dependente das alterações estratégicas que possam vir a ter lugar em Berlim na sequência das eleições alemãs de Setembro, mas a folia e fobia anti-Bruxelas, maioritárias entre os deputados conservadores e muito marcantes junto da opinião pública, ameaçam encurralar Downing Street.
Parte substancial dos meios de negócios subscreve as posições do grupo de pressão "Business for New Europe", liderado pelo antigo jornalista Roland Rudd, que visa preservar a libra, o estatuto especial do Reino Unido em matérias de justiça, designadamente, um acesso privilegiado das empresas britânicas aos mercados europeus, mantendo a liberdade de regulação da praça financeira londrina.
Ignorando componentes de defesa, segurança e política externa da UE, além das consequências para os 28 de uma unificação de políticas financeiras, fiscais e económicas, acrescidas da união bancária, necessárias à eventual preservação do euro, os europeístas de Sua Majestade vislumbram sobretudo vantagens na permanência num bloco europeu e subestimam as concessões que Londres terá de assumir.
Idêntica posição adoptam sumidades ditas eurorealistas do recém-formado grupo de pressão "British Influence" como o conservador Kenneth Clarke, ministro sem pasta virado para a promoção económica e comercial da Grã-Bretanha, o negocista-mor trabalhista Peter Mandelson e o número dois do Tesouro, o liberal Danny Alexander.
Tentar deixar na sombra quanto o Reino Unido – presumindo que a Escócia mantenha o vínculo com Inglaterra, Gales e Irlanda do Norte – será obrigado a ceder nos próximos anos em matéria de soberania num novo quadro institucional da UE é má política e poucas hipóteses de êxito terá ante a vaga nacionalista que suscitará um referendo.
As apreensões sobre a relação entre Londres e a União Europeia são cada vez maiores entre os investidores privados e institucionais e o governador do Banco de Inglaterra teve isso bem presente ao referir o desfasamento entre os indicadores de melhoria económica e os "yields" das obrigações do Tesouro.
As declarações oficiais sem qualquer ambiguidade de Washington, em negociações com Bruxelas para a criação de uma zona de livre-comércio, e Tóquio de que a saída da Grã-Bretanha da UE seria negativa de um ponto de vista económico e financeiro
Para vencer as eleições em 2015 Cameron terá de cavalgar a besta nacionalista inglesa e afrontar parceiros da UE e, se triunfar, não conseguirá fugir a um referendo e ao risco de uma "considerável inconveniência" pois, conforme, advertiu Jane Austen "as surpresas são coisas insensatas".
A romancista de "Orgulho e Preconceito" ilustrará a nota de 10 libras em 2017, pelos 200 anos da sua morte, e também por essa altura se pesará quanto valia afinal a promessa dos conservadores de avançarem com um referendo sobre a participação do Reino Unido na União Europeia.