Opinião
Brexit: a desorientação e a desordem
Theresa May sobreviveu a nova crise governamental ao apresentar mais uma incoerente proposta para negociação com a UE e, no auge da confusão, ficou claro que é impossível Londres e os 27 chegarem a acordo em tempo útil.
Na ausência de candidatos alternativos à liderança, os críticos de May não contam, de momento, com os 159 votos necessários entre os 316 deputados conservadores para derrubar a primeira-ministra.
Eurocépticos como Michael Gove, ministro do Ambiente, e o deputado Jacob Rees-Mogg escusaram-se, assim, a aproveitar as demissões de David Davis e Boris Johnson, para encabeçar a contestação conservadora a May.
As críticas nos círculos conservadores irão, contudo, ganhar em acrimónia à medida que a análise ao detalhe do Livro Branco com as propostas de compromisso para o Brexit, a divulgar quinta-feira, revelar a dimensão das concessões a que May se apresta nas negociações com Bruxelas.
O governo de Londres propõe, por exemplo, uma zona de comércio livre de bens, incluindo produtos alimentares e agrícolas, dotada de regras a adoptar por acordo internacional a ratificar antes de 29 de Março do próximo ano, data-limite de saída do Reino Unido.
Para evitar controlos aduaneiros entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, Londres compromete-se, ainda, à harmonização legislativa com as normas em vigor na UE.
O livre movimento e residência de pessoas passaria, entretanto, por período transitório com regras e duração a definir o que, deixa em aberto a questão dos controlos fronteiriços.
O mercado de serviços e a City, por sua vez, são sacrificadas na nova proposta negocial que almeja à "preservação dos benefícios mútuos dos mercados integrados e protecção da estabilidade financeira".
O acesso das firmas sediadas em Londres ao mercado de serviços da UE terá de acatar, portanto, as normas de regulação europeias.
O condicionamento dos serviços, excluindo um estatuto especial para a praça de Londres, afectará outros sectores de produção e transacção de bens, designadamente parcerias do sector da defesa envolvendo complexa engenharia financeira, que ambas as partes desejam manter e mesmo reforçar.
O repúdio da jurisdição do Tribunal Europeu de Justiça e a soberania plena do Parlamento de Westminster estão, de facto, excluídas das propostas de Londres para fúria das alas radicais do Brexit que, no entanto, se escusam a apresentar alternativas negociais.
Acresce que o artigo 50 do Tratado da União Europeia obriga o acordo de saída do Reino Unido a ter "em conta o quadro das suas futuras relações com a União" (ponto 2) o que limita a capacidade de Londres negociar acordos comerciais bilaterais.
A negociação política em bloco terá de estar concluída este Verão, salvo uma prorrogação altamente problemática para todas as partes, para dar tempo à ratificação unânime nos 27 e Parlamento Europeu.
Theresa May terá, entretanto, de conseguir a aprovação de um eventual acordo com Bruxelas pelos 650 deputados dos Comuns - contando com o voto de alguns dos 259 trabalhistas - ou optar por referendo, matéria que nem sequer colhe consenso entre a oposição trabalhista.
May resiste, mas o Brexit arrasta-se, entre a desorientação e a desordem, no sentido de uma ruptura brutal.
Jornalista