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23 de Fevereiro de 2016 às 20:05

Ano quinto da guerra 

Os primeiros cinco anos da guerra na Síria provaram que ninguém pode ceder, geraram ondas de choque capazes de fazer tremer os equilíbrios institucionais da União Europeia, e ameaçam um conflito entre a NATO e a Rússia.

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Bashar al-Assad desde Setembro conseguiu consolidar posições na faixa litoral, alargar o controlo dos principais centros urbanos, estando em vias de conquistar Aleppo para atacar no Noroeste e tentar cortar as linhas de abastecimento rebeldes com a Turquia.  

 

Os bombardeamentos aéreos desencadeados pela Rússia reorientaram uma estratégia ofensiva, apesar de a sangria das tropas de Damasco (provavelmente mais de 50 mil mortos) obrigar ao reforço dos contingentes xiitas iranianos e do Hizballah libanês e à mobilização de unidades irregulares de milícias e mercenários alauítas ("shabiha").

 

A partilha territorial

 

O Califado Negro de al-Bagdadi vai de Palmira e Raqqa às zonas desérticas e petrolíferas contíguas ao Iraque, onde domina Mosul, e representa a única alternativa administrativa consistente às áreas sob controlo do regime alauíta.

 

A promoção de actos terroristas de intimidação além do território do Califado, ultrapassando zonas limítrofes de combate, visando alvos distantes na Europa Ocidental ou Egipto, expandiu consideravelmente a sua visibilidade e capacidade de atracção ideológica.

 

Outros jihadistas, em particular a Jabhat al-Nusra (Frente para a Vitória do Povo Sírio), salafistas, e forças associadas ao Exército Livre da Síria, com predominância de apoiantes dos Irmãos Muçulmanos, implantaram-se, por seu turno, nas regiões do Norte e do Sul, enquanto milícias curdas dominam  enclaves junto à Turquia.

 

Os alauítas e os outros

 

A guerra civil seguiu a lógica fatal do confronto étnico-religioso entre alauítas (10% da população) apoiados por outras minorias (cristãos, druzos, curdos, turcomenos) temerosas da maioria sunita (aproximadamente 70% dos sírios) e potenciou os conflitos regionais entre as monarquias do Golfo, iranianos e turcos.

 

As Unidades de Protecção Popular dos curdos sírios, a única força laica no campo de batalha, entraram em conflito com turcomenos e árabes sunitas ao tentar estabelecer um enclave ao longo de toda a fronteira com a Turquia e Ancara considera-os terroristas.

 

Os independentistas curdos sírios aliados dos separatistas curdos turcos do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, em guerra com Ancara, contam com os congéneres do Norte do Iraque, em confronto, por sua vez, com o Governo xiita de Bagdade, e estão na mira da Turquia.

 

Carambolas perigosas       

              

Ancara, em consonância com a Arábia Saudita e o Qatar, entrou em rota de choque com a Rússia, ainda que os seus interesses estratégicos se limitem à manutenção dos "status quo" no Mar Negro e Cáucaso, desde que afastadas veleidades independentistas curdas.

 

Riade definiu, pelo contrário, uma linha de confronto aberto com Teerão e, apesar de a intervenção na guerra civil no Iémen, outro palco de guerra indirecta com o Irão, não correr de feição, falhar contra Damasco (onde apoia milícias jihadistas como Ahar al Sham/ Homens Livres do Levante) seria fatal para os seus interesses regionais, desestabilizando a ditadura militar do Egipto, além do Líbano e Jordânia em risco de implosão devido às tensões provocadas pelos êxodos da Síria e Iraque.

 

Nem russos, nem turcos têm interesse em entrar em conflito directo, envolvendo demais aliados de Ancara na NATO, mas é cada vez mais difícil riscar a linha de não-interferência que implicará o sacrifício de veleidades de independência curda mesmo em caso de desagregação do estado sírio. 

 

Tréguas efémeras

 

Obama perdeu credibilidade no Verão de 2012 ao claudicar nas ameaças a Bashar al-Assad pelo uso de armas químicas e abriu caminho a Putin para negociar um compromisso que salvaguardou o regime de Damasco num dos momentos mais críticos da guerra civil.

 

As fúteis tentativas de promover uma oposição dita moderada fragilizaram ainda mais Washington nas negociações de tréguas que, num acordo periclitante, permitem a prossecução de ataques a grupos classificados como terroristas pela ONU, o "duunvirato" norte-americano-russo ou Estados como a Turquia.

 

Um compromisso para parar a guerra implica, pelo menos, um santuário para os alauítas na faixa litoral de Lataquia, uma zona autónoma curda a norte, garantias de segurança para outras minorias, mas a vaga jihadista e fundamentalista que assola a maioria sunita dificilmente se ajusta a cedências.

 

A Turquia, com mais de dois milhões de refugiados sírios a quem limita o acesso ao mercado de trabalho, educação, assistência social e saúde, não estancará a fuga para Ocidente.

 

A União Europeia - impotente, ignorada e inoperante - poderá contar-se entre as vítimas colaterais da Grande Guerra do Levante.

 

Jornalista

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