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06 de Maio de 2014 às 19:00

A grande nau nigeriana

A implantação étnica e regional do "Boko Haram" aproveita a inglória situação de desfavorecimento do norte muçulmano na federação nigeriana e capitaliza confrontos que conjunturalmente se agravaram.

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A crise aberta na Nigéria pelos atentados bombistas em Abuja e os raptos do movimento islamista "Boko Haram" em Chibok evidencia a inadequação das instituições políticas da maior economia africana.

 

A inépcia dos governos central e estadual ante o sequestro de mais de duas centenas de raparigas numa escola no estado de Borno, no Norte do país, e a indiferença do presidente Goodluck Jonathan face aos protestos acentuaram uma crise política que opõe partidos das regiões nortistas, predominante muçulmanas, e sulistas, de maioria cristã.

 

Os jihadistas do "Boko Haram" ("Proibição da Educação Ocidental" na língua hausa) representam uma das maiores ameaças à autoridade do estado no Nordeste da Nigéria e as suas acções terroristas e retaliações das forças armadas provocaram mais de 8 mil mortes desde 2009.  

 

O rapto de 15 de Abril foi, a par dos ataques bombistas na capital na mesma altura que causaram cerca de uma centena de mortos, a acção mais espectacular dos jihadistas até agora e pretexto para o avolumar de suspeitas sobre a real determinação do governo central em conter a rebelião que grassa no Norte.

 

Uma selvática guerra santa

 

O líder jihadista, Abubakar Sheaku, assumiu o sequestro e inflamou os ânimos ao anunciar e justificar a intenção de vender as cativas como escravas por se tratar de apóstatas e infiéis cristãs.

 

"Boko Haram" foi fundado em 2002 por Mohamed Yusuf (natural de Yobe e abatido em confrontos com militares em 2009), com apoio de salafistas ligados à "Al Qaeda" e pretende estender a sua influência a todo o Norte e Nordeste da Nigéria, além das regiões vizinhas do Níger, Camarões, Chade, Sudão e Líbia que integraram o império Borno entre os finais dos séculos XIV e XIX.

 

As acções armadas do salafismo jihadista alastraram a partir de 2009 no Nordeste levando à imposição desde Maio do ano passado do estado de emergência em Borno, Adamawa, Yobe, e destabilizaram todo o Norte da Nigéria a partir do momento em que Sheaku passou a atacar cristãos, além de apóstatas muçulmanos, animistas e secularistas tidos como inimigos da lei islâmica.

 

A implantação étnica e regional do "Boko Haram" aproveita a inglória situação de desfavorecimento do Norte muçulmano na federação nigeriana e capitaliza confrontos que conjunturalmente se agravaram com a ascensão à chefia do estado em 2010 de Jonathan, um Ijaw cristão do delta do Níger, na sequência da morte do presidente Umaru Yar'Adua, um fulani muçulmano.    

 

A alternância na presidência de cristãos e muçulmanos, que a controversa vitória de Yar'Adua confirmara após oito anos de governação presidencialista pelo yoruba cristão Olusegun Obasanjo, foi, assim, quebrada pela inesperada promoção do vice-presidente Jonathan que se declarou candidato à chefia do estado na eleição agendada para Fevereiro de 2015.

 

A controvérsia entre o "People's Democratic Party" e o "All Progressive's Congress" (a coligação das quatro maiores forças da oposição criada no início do ano passado) atinge um dos níveis mais conflituosos desde o fim do regime militar em 1999 elevando a um nível perigoso as tensões regionais, étnicas e religiosas.

 

A amargura do PIB

 

O anúncio no início de Abril dos resultados da revisão do cálculo do PIB nigeriano estimando o seu valor para 2013 em 80 triliões de naira, o equivalente a 510 mil milhões de dólares (usd), deixou um sabor amargo, apesar de ter confirmado a Nigéria como a maior economia do continente superando os 350 mil milhões usd da África do Sul.

 

A reavaliação, que alegadamente por deficiências estatísticas não era efectuada desde 1990 em vez de seguir o procedimento recomendado de revisão de 5 em 5 anos, superou em 89% a anterior estimativa e aumentou o PIB per capita de 1555 usd para 2689 usd, menos de metade do registado na África do Sul que conta 53 milhões de habitantes.

 

O contributo dos serviços atinge os 52,3%, o peso da agricultura caiu para 21% e o do petróleo e gás para 14,4% quando os hidrocarbonetos equivaliam a 32,4% nas séries assentes em preços de 1990.

 

Os serviços aumentaram 240% na nova estimativa com destaque para telecomunicações, banca e produção cinematográfica, mas o sector de manufacturas cifra-se apenas em 6,9%.

 

Na impossibilidade da agricultura dar emprego aos 2 milhões de jovens que chegam anualmente ao mercado de trabalho por via de um crescimento demográfico de 2,4% ao ano e da área de serviços absorver mão-de-obra pouco qualificada num sector transformador atrofiado é sinal de crise prolongada.

 

Entre 174 milhões de nigerianos cerca de 60 por cento subsistem abaixo da linha de pobreza e a expansão da economia paralela e da corrupção defraudam os ganhos que poderiam advir de um crescimento anual de 7% na última década.

 

As receitas fiscais equivalem apenas a 12% do PIB - menos 8% do que na anterior estimativa - sendo que excluído petróleo e gás, baixam mesmo para 4% e a corrupção mantém-se ostensiva e capaz.

 

Em Fevereiro do governador do banco central, Lamido Sanusi, denunciou o desvio de 20 mil milhões de usd de receitas de vendas de petróleo no ano fiscal de 2012-2013 e acabou suspenso pelo presidente, enquanto se aguarda abertura de inquérito. 

 

A grande tormenta

 

O mais insidioso na reavaliação do PIB nigeriano, que aguarda ainda a desagregação de dados por estado, é o facto incontestável das regiões do Norte, com maior peso da agricultura e infra-estruturas ainda mais escassas e degradadas do que no resto do país, saírem altamente desfavorecidas.

 

O clientelismo e patrocínio pessoal, empresarial, clânico e religioso que caracterizam as instituições do poder civil e militar a nível estadual e nacional são outra face das sucessivas crises que com implacável regularidade assolam a maior potência demográfica e económica de África.    

               

Jornalista

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