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25 de Março de 2014 às 20:10

A corda do enforcado

Se, face às primeiras interferências abusivas de Moscovo, a União Europeia e os Estados Unidos não reagirem com o agravamento das sanções, preparando-se para um período de forte tensão global, então, acabarão por alimentar o hegemonismo expansionista de Putin.

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As sanções contra Moscovo vão acelerar a saída de capitais, a relocalização de activos russos no estrangeiro, aumentar os custos de financiamento do estado, empresas e particulares, reduzindo, ainda, o fluxo de investimentos, mas carecem de um objectivo estratégico bem definido.

 

O Kremlin recusará alterar o estatuto que definiu para a Crimeia, mas em termos práticos os pagamentos devidos nos termos do Acordo de Kharkiv de 2010 sobre a presença militar russa na península acabarão por ser incluídos em negociações sobre as dívidas de Kiev a Moscovo.

 

É pouco crível que Putin agrave o confronto com actos anexionistas na Gagaúzia e Transdnístria moldovas, mas será em função do nível de instabilidade na Ucrânia, potencialmente muito alto, e das iniciativas da UE e dos EUA que o Kremlin calibrará as pressões sobre outros estados da ex-URSS e Kiev.

 

Independentemente da capacidade política dos governos de Londres, Berlim e Paris absorverem os custos económicos e financeiros do agravamento de sanções a Moscovo, são também incertos os termos em que Washington considere eventualmente possível sustentar parcerias políticas com Moscovo.

 

Sanções e consequências

 

Na Síria até surgirem alternativas internas capazes de desfeitearem o bloco alauíta sem provocarem a desagregação do estado, a Moscovo basta-lhe prosseguir a actual política já que os seus adversários carecem de aliados minimamente eficazes no terreno.

 

Em matéria de contenção da proliferação nuclear militar, a Rússia, os Estados Unidos e os países europeus, além das monarquias sunitas do Golfo, da China, do Japão e da Coreia do Sul, partilham interesses na Coreia do Norte e no Irão.

 

Qualquer negociação tornou-se, contudo, mais difícil a partir do momento em que o "Anchluss" de Putin violou o Acordo de Budapeste de 1994, mediante o qual Kiev procedeu à desnuclearização militar, sem que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, signatários a par da Rússia, tenham intervindo para defender a soberania e integridade territorial da Ucrânia.

 

A confirmação destes factos cruéis dos acordos internacionais não terá sido perdida de vista no Irão e em Israel.

 

Isolar a Rússia

 

A recusa da Índia, Brasil e África do Sul (com eleições presidenciais e legislativas a curto prazo), além da China, em condenarem a anexação putinista, lamentando, no entanto, a escalada de "linguagem agressiva, sanções e contra-sanções" ainda não teve qualquer resposta diplomática por parte da UE e de Washington.

 

Obama tentará a tudo o custo que Moscovo não coloque entraves incontornáveis à retirada total ou parcial até ao final do ano dos mais de 33 mil militares que mantém no Afeganistão, ainda que muito dependa da atitude a partir de Abril do sucessor do presidente Hamid Karzai e dos equilíbrios de força entre "senhores da guerra" e grupos talibã.

 

Moscovo ainda que pouco interessada num retorno em força da guerra civil jogará os trunfos de que dispõe tanto mais que Obama e os democratas precisam de concluir a retirada e um acordo político com Cabul para eventual presença militar residual antes das eleições de Novembro para o Congresso.

 

Só sanções muito gravosas excluindo empresas e particulares russos do sistema financeiro internacional poderão a prazo modificar a política anexionista de Moscovo.

 

O objectivo das sanções deverá visar garantir a soberania da Ucrânia para que Kiev possa renegociar com Moscovo o estatuto da Crimeia e não visar um isolamento prolongado da Rússia ou o alargamento da NATO.

 

Contestação à autocracia

 

O sistema político russo é autocrático, centrado na pessoa do presidente, o estado detém a maioria dos activos e recursos financeiros de uma economia assente na exportação de hidrocarbonetos, a propaganda putinista omnipresente, mas o país conta com díspares grupos de interesses económicos e instáveis blocos sociais e regionais capazes de reagirem a um agravamento das perspectivas económicas.

 

Só a partir do momento em que, com custos para as economias ocidentais, sanções económicas e financeiras prejudiquem fortemente a Rússia será crível que algumas forças em Moscovo e nas províncias comecem a contestar as opções de Putin.

 

A lógica de confronto e anexionista obriga o Kremlin a interferir directamente numa Ucrânia marcada pela instabilidade e as clivagens regionais.

 

Se, face às primeiras interferências abusivas de Moscovo, a União Europeia e os Estados Unidos não reagirem com o agravamento das sanções, preparando-se para um período de forte tensão global, então, acabarão por alimentar o hegemonismo expansionista de Putin.

 

O veterano do KGB conta com o temor alheio; sorri ao lembrar-se do sarcasmo de Lenin que asseverava convicto de que os capitalistas lhe venderiam a corda com que seriam enforcados.

 

Jornalista

 

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