Opinião
A bandeira europeia na Ucrânia
A Ucrânia continuará por muitos anos dividida porque a sua identidade nacional é indefinida: uma terra de fronteira e transição entre a Rússia e o Centro e Leste da Europa.
A vaga de protestos antigovernamentais em Kiev ameaça o instável equilíbrio de poderes entre as elites que se apoderaram do controlo das principais instâncias do poder económico e político na Ucrânia depois da desagregação da União Soviética.
Cedo se desfez, contudo, a convergência entre Viktor Yuschenka e Yulia Timoshenko, os líderes do bloco que se alcandorou ao poder na sequência da "Revolução Laranja", enquanto do lado da Rússia putinista se acentuavam as pressões para evitar que a Ucrânia escapasse à esfera de influência do Kremlin.
O triunfo de Yanukovitch em 2010 saldou-se por um ajuste de contas com velhos rivais que levou no ano seguinte à condenação de Timoshenko a sete anos de prisão por abuso de poder na negociação do acordo sobre fornecimento de gás natural russo de 2009.
A omnipresente corrupção institucional e as divergentes lógicas económicas das diferentes regiões do país – predominando presentemente a aliança liderada pelos interesses ligados aos sectores mineiros, metalúrgicos e da indústria pesada do Sul e Leste de maioria russófona – a par da dependência energética da Rússia condicionam toda a política ucraniana.
A Parceria inviável
A via média ideal e aceitável para os diversos grupos de oligarcas ucranianos, uma política de compromisso entre a Rússia e a União Europeia, tem-se revelado inviável por duas razões essenciais.
Primeiro, a Moscovo de Putin não aceita que Kiev integre um bloco económico ocidental que, conforme a história recente dos países bálticos, do Leste e do Centro da Europa indica, acaba por abrir caminho à adesão à NATO.
Segundo, as normas e regras a implementar nos termos do "Acordo de Parceira" com a UE implicam o desmantelamento da rede proteccionista e nepotista que sustenta as oligarquias económicas ucranianas.
Na ausência de qualquer benefício económico ou financeiro a curto prazo, mergulhado na terceira recessão desde 2008, alegando que a anuência aos termos da Parceira implicava custos de 160 mil milhões de euros, necessitando do empréstimo de pelo menos 17 mil milhões de dólares para o serviço de dívida e compra de gás natural em 2014, pressionado a rever as condições de detenção de Timoshenko e ameaçado de novo bloqueio no fornecimento de gás russo, Yanukovith optou por recusar rubricar o "Acordo de Parceria" na cimeira de Vilnius.
Independentemente da existência ou não de um acordo de associação e comércio livre, Kiev conta com a UE como parceiro fundamental – 25% das suas exportações e 31% das importações, valores similares aos das trocas com a Rússia – e pólo de atracção inegável sobretudo nas regiões ocidentais mais marcadas pelos contactos históricos com a Polónia e o Império Austro-Húngaro.
Na ausência de subsídios a fundo perdido, Kiev não está em condições de aderir ao bloco euroasiático promovido por Putin que deverá agregar a Belarus, o Cazaquistão e a Arménia, de modo a criar em 2015 uma união alfandegária e área privilegiada de trocas económicas e cooperação em matérias militares e de segurança.
Muita gente pouco recomendável
A opção de Yanukovitch, apostado na manutenção de uma rede de alianças que lhe permita a reeleição em 2015 sob pena de conhecer o destino de Timoshenko, foi pretexto para os protestos na capital.
A dimensão das manifestações em Kiev só tem equivalente na contestação de 2004, mas na impossibilidade de derrubar o governo pela via parlamentar – o "Partido das Regiões" de Yanukovitch detém uma maioria capaz de derrotar moções de desconfiança ao primeiro-ministro Mikola Azarov – torna-se evidente a impotência dos opositores do presidente.
As manifestações antigovernamentais concentram-se na capital e a bandeira "Europa" – vago termo que significa não a Yanukovitch e a Putin – é empunhada por fiéis da "Pátria", partido de Timoshenko, ainda que a presença de nacionalistas e militantes de extrema-direita seja marcante.
Dmitro Korshinski e seus apaniguados da "Irmandade", alegados "nacional-anarquistas cristão-ortodoxos", têm estado envolvidos em confrontos com a polícia, bem como os militantes anti-russos e antisemitas da "Liberdade", liderados por Oleh Tianibok.
A extrema-direita ucraniana – tal como os saudosos do comunismo que se acantonam na frente pró-russa – traz consigo o legado de alguns dos momentos mais tenebrosos e selváticos da história europeia.
O nome a fixar
O político mais em evidência será talvez Vitali Klitsckho – ex-pugilista e campeão de pesos pesados, com um doutoramento em ciências do desporto – líder de "O Golpe" ou o "Murro" partido que formou em 2010 e autoproclamado candidato às presidenciais de Maio de 2015.
Klitschkho condena a corrupção institucional, valoriza positivamente um acordo de associação com a UE, e considera secundária a oficialização do uso do russo, língua-mãe de 30% da população, como idioma oficial a par do ucraniano.
Evitando o confronto directo com Moscovo, Klitschko é quem mais tem a ganhar se os protestos não degenerarem num confronto violento.
A Ucrânia, novamente em busca de acordos políticos mínimos que não bloqueiem o funcionamento do estado e garantam os equilíbrios oligárquicos, continuará por muitos anos dividida porque a sua identidade nacional é indefinida: uma terra de fronteira e transição entre a Rússia e o Centro e Leste da Europa.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
http://maneatsemper.blogspot.pt/
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