Opinião
A confissão de Gina
O programa de tortura da CIA foi cancelado em 2009, sem que responsáveis ou operacionais da agência fossem levados a tribunal.
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Quarenta detidos por tempo indefinido sem julgamento em Guantánamo e sérias dúvidas no Senado de Washington sobre o mérito de nomear para directora da CIA uma operacional directamente envolvida em programas de tortura, revelam uma persistente ambiguidade política e judicial nos Estados Unidos.
Em Janeiro de 2000 a administração de George W. Bush começou a utilizar a base de Cuba para detenção de suspeitos de terrorismo e Alberto Gonzales, procurador-geral entre 2005 e 2007, chegou a argumentar que "prisoneiros não-combatentes" estrangeiros poderiam ser submetidos, fora dos Estados Unidos, a técnicas de interrogatório não-letais proibidas pela legislação norte-americana e a lei internacional.
No rescaldo das polémicas sobre técnicas de tortura aplicadas pela CIA no âmbito do programas de "entregas extraordinárias" para prisão e interrogatório de suspeitos a países como Síria, Tailândia, Roménia ou Polónia, a Comissão de Supervisão dos Serviços de Informação concluiu, em 2014, pela ineficácia de "interrogatórios reforçados", incluindo asfixia, privação de sono ou simulação de execuções, por exemplo.
A relevância do recurso corrente e recorrente a tortura para recolha de elementos fidedignos e propiciadores de acção eficaz, no imediato e a prazo, alegada pela CIA foi, então, posta em causa no Congresso e o presidente Barack Obama admitiu publicamente que teriam sido violados valores democráticos fundamentais.
O exército, por sua vez, excluíra expressamente do seu «Manual de Interrogatório» a «tortura» e «tratamentos cruéis e degradantes» nos termos das Convenções de Genebra, independentemente do estatuto legal do prisioneiro.
Sem acordo no Congresso e ante a recusa de governos estaduais para um compromisso quanto a julgamento e detenção de suspeitos submetidos a torturas ou presos no estrangeiro a administração democrática viu-se, contudo, incapaz de cumprir a promessa de encerrar Guantánamo.
O programa de tortura da CIA foi cancelado em 2009, sem que responsáveis ou operacionais da agência fossem levados a tribunal.
Obama, a par da luz verde a programas de escutas em larga escala a aliados e inimigos estrangeiros, ampliava, entretanto, a política de assassínio de suspeitos e terroristas confessos no estrangeiro, incluindo cidadãos norte-americanos, designadamente através do recurso a aparelhos voadores não-tripulados.
Por decisão de Donald Trump, em Janeiro deste ano, Guantánamo continuará a servir como campo de detenção por tempo indefinido e a retórica sobre a eficácia da tortura, tese cara ao presidente, vale bem a promoção de Gina Haspel a directora da CIA em substituição do recém-empossado secretário de estado Mike Pompeo.
Com 33 anos de serviço, essencialmente em operações clandestinas e contra-terrorismo, Haspel foi indigitada subdirectora o ano passado.
Aos 61 poderá tornar-se na primeira mulher a dirigir a CIA, mas tem contra si um tenebroso currículo onde se destacam as torturas sistemáticas, em 2002, a dois suspeitos da Al Qaeda num centro clandestino que supervisionava na Tailândia.
Como agravante de conhecimento público consta, ainda, o envolvimento de Haspel na destruição de 92 cassetes de vídeo com gravações de torturas e interrogatórios em 2005.
Na expectativa de uma embaraçosa audiência no Senado, Haspel terá admitido desistir da nomeação para salvaguardar a reputação da CIA.
A Casa Branca insistiu, Trump tweetou "Que Gina vença!", e esta quarta-feira a tortura, sua legalidade passada e ilegalidade presente, eficácia ou ilusão, estarão no centro da audiência de Gina Haspel no Senado.
Coisa tenebrosa de se ver que nem a crise do Irão conseguirá ofuscar.
Jornalista