Opinião
O Síndrome do “Hoje Ainda Não Fiz Nada”
A verdade é que nunca trabalhámos tão esforçadamente, nem produzimos tanto, numa doentia omnipotência que se repete a cada vinte e quatro horas, 365 dias por ano.
O resultado de a nossa vida estar toda conglomerada em telemóveis inteligentes, e de os usarmos tanto para assuntos profissionais como pessoais, é o assustador síndrome do "Hoje ainda não fiz nada" (que acabo de cunhar). O principal sintoma desta verdadeira epidemia é uma desvalorização absoluta da quantidade de horas que passámos efetivamente a trabalhar, e traduz-se num insuportável sentimento de estar perpetuamente em falta.
Na prática, o "sempre ligados" significa que antes mesmo de nos sentarmos à secretária, já respondemos a dezenas de e-mails, atualizámos a agenda da semana, marcámos reuniões e por aí adiante, num "pré-trabalho" digno de maratonista olímpico. Por outras palavras, demos conta daquilo que, antigamente, nos ocuparia a manhã inteira. Simplesmente, em lugar de celebrarmos a nossa eficácia e usarmos o tempo livre que conquistámos para o que nos der na real gana, damos por nós a imaginar que se nos sobra tempo é porque falhámos de alguma maneira. E perante esse sentimento, como reagimos? Inventando mais trabalho, numa espiral que nos leva a acabar o dia com uma lista tão longa como aquela que enfrentávamos quando acordámos. E com ela vem a conclusão (errada!) de que não fomos suficientemente produtivos.
O síndrome torna-se mais agudo quanto maior for a nossa capacidade de nos desdobrarmos perante os diferentes desafios. Se conseguimos trabalhar enquanto levamos os nossos filhos à escola, tiramos a loiça da máquina ou percorremos de bicicleta o paredão, é certo e sabido que o cérebro atribuirá esse tempo à "família/diversão", eliminando-o da contabilização final das horas dedicadas à profissão. Se somos ases no uso da tecnologia e a pomos ao serviço da resolução em tempo real dos problemas, é seguro que vamos equiparar eficiência com facilitismo, desvalorizando o resultado. Pior ainda se temos prazer no que fazemos, porque por uma correlação perversa, tendemos a sentir que o que não implica sofrimento vale menos.
Mas é urgente que as coisas mudem, a bem da nossa sanidade mental e da dos que nos rodeiam. Porque a verdade é que nunca trabalhámos tão esforçadamente, nem produzimos tanto, numa doentia omnipotência que se repete a cada vinte e quatro horas, 365 dias por ano. E é verdade também que se aproxima da perfeição a forma como articulamos a vida familiar com a profissional, e nós mulheres podemos orgulhar-nos de dirigir empresas e, simultaneamente, acompanhar o dia a dia dos nossos filhos, com muitas mensagens de texto e fotografias à mistura. O que significa que só nos falta sermos capazes de matar essa culpa subliminar que estraga tudo. E dar cabo do síndrome de vez.
Antídoto? Descobri um. Da próxima vez que der por si a correr escada acima, mais ansioso do que o coelho da "Alice no País das Maravilhas" a exclamar que está atrasado, sente-se no primeiro degrau, saque do dito telemóvel, abra nas "Notas" e comece a escrever tudo o que já fez. Seja rigoroso. Não salte nada, por mais insignificante que lhe pareça. Depois, releia a lista devagarinho, tomando consciência do que foi capaz de cumprir. E de seguida, e este passo é fundamental, atribua-se a si próprio o título de Empregado do Dia, da Semana, do Mês ou da Última Década. Merece-o bem.
Jornalista