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Deixe para amanhã o que pode fazer hoje

Andamos sempre a pregar a compaixão, mas é para os outros. De nós mesmos, exigimos tudo e mais um par de botas, imaginando-nos polvos de mil braços com a obrigação de chegar a todos.

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Não faço ideia se foi um excesso de zelo dos nossos pais ou se simplesmente nos moldamos no seu exemplo, mas a verdade é que continuamos a rotular cada desaceleração da nossa vida como um sinal de preguiça. E a preguiça, aprendemos, é a raiz de todos os males, combatendo-se com mais ação, mais agenda, mais de tudo. Menos com aquilo que realmente a trata: o reconhecimento dos nossos limites.

 

O problema é que não acreditamos que respeitar o que o corpo nos pede vá fazer de nós pessoas mais produtivas, embora todos os estudos científicos afirmem que sim. Quantas vezes não nos forçamos a acabar um relatório ou um email, demorando o dobro do tempo e chegando a um pior resultado, do que se o tivéssemos escrito no dia seguinte? Simplesmente, quando deixamos para amanhã o que objetivamente podíamos fazer hoje, somos invadidos por um sentimento de culpa que engole todo e qualquer benefício do descanso conquistado.

 

Decididamente, precisávamos de ser mais adolescentes, pelo menos por uns bocadinhos. Se tem algum aí por casa, em lugar de o criticar, imite-o ou peça-lhe um workshop em como tirar partido da vida. Ao que parece, graças à imaturidade do cérebro, têm uma menor capacidade para pensar no longo prazo, e uma dificuldade grande em resistir à gratificação imediata. O ideal, portanto. E é por isso que quando os TPC põem em risco alguma coisa que lhes dá prazer, escolhem a que lhes dá prazer, e acabam os trabalhos no autocarro a caminho da escola, e não são mais infelizes por isso.  

 

Pois é, falamos deles com condescendência, mas talvez tenham as prioridades mais arrumadas - as relações e as experiências ganham às tarefas. Afinal como é que arrumar o quarto e fazer uma cama, que se vai desfazer passadas umas horas, pode não ser preferível a uma conversa com os amigos?

 

Pela minha parte estive a observá-los e constatei estas duas vantagens em procrastinar:

 

1. Obriga a reduzir as expectativas, o que só por si desbloqueia o processo criativo. Com o prazo de entrega a aproximar-se à velocidade da luz, abre-se mão da excelência imaginada, e procura-se a excelência possível. Que, muitas vezes, é bem melhor do que aquilo que se esperava. E se não o for, o ego fica sempre a salvo, sob a desculpa de que com mais tempo se faria melhor.

 

2. A adrenalina produzida pelo risco que se corre em deixar tudo para a última hora ajuda à concentração e é combustível para os neurónios. Sob o seu efeito há uma injeção de energia extra que ajuda a mente a focar-se no objetivo final. Simultaneamente, por comparação, todas as outras tarefas do dia a dia tornam-se simples, o que significa que em menos de nada se dá conta delas.

 

O quê? Ainda não está convencido? É, então, altura de tirar da manga uma citação de Milan Kundera, que diz que "O ócio só é fatal para os medíocres". Por isso, vá lá, aceite que esse desejo de parar, de adiar, de ficar deitado no sofá a contemplar o tecto, enquanto deixa a sua mente vaguear, o vai ajudar a reencontrar o norte e a recomeçar com mais energia. Quanto ao mundo, não se preocupe, alguém há de velar por ele até amanhã. 

 

Jornalista

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