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Comer o bolo e ficar com ele na despensa

O terrível do episódio da refinaria da Galp é aumentar a suspeita de que ninguém pensa as decisões tomadas em nosso nome, supostamente no nosso interesse e, na maioria dos casos, com o nosso dinheiro.

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Não sou nem mãe, nem prima afastada da Greta Thunberg, e confesso que o futuro do planeta não é das muitas coisas que me tiram o sono — podem começar a atirar pedras! —, mas as reações em redor do anúncio do fecho de uma das refinarias da Galp deixaram-me de boca aberta. E assustada. Porque, de repente, percebi que a generalidade das pessoas, a comunicação social incluída, e, mais preocupante ainda, o próprio Governo não tinham imaginado que as decisões que tomam no sentido da descarbonização têm consequências na vida das pessoas e das economias que garantem a sua subsistência.

Ficar admirado que o objetivo de redução da emissão de gases de dióxido de carbono não implique reduzir o consumo de combustíveis fósseis e, consequentemente, implique o encerramento das fábricas necessárias à sua produção, com o inevitável despedimento de quem lá trabalha, além de tonto, é muito preocupante.

É o mesmo que tomar decisões contra o papel e a favor da digitalização e do mundo virtual, com campanhas contra o “crime” de imprimir um e-mail com que todas as repartições do Estado nos ameaçam, e imaginar que não vai resultar em menos florestas (ao contrário do que demagogicamente nos vendem), ou pôr em risco de vida os jornais em papel e a subsistência das empresas de comunicação social.

Ou, para dar só mais um exemplo, que o apelo à diminuição do consumo de carne não ameace a subsistência dos produtores, e não implique o fim dos rebanhos de ovelhas branquinhas a picotarem o verde da paisagem, ou a extinção das manadas de vacas que gostamos de ver quando vamos passear ao domingo.

Reparem, o que me preocupa não são estas opções, ou outras que se entendam fazer, o que me angustia é constatar como é ingénua a nossa convicção de que estas decisões são tomadas depois de pesados os custos e os benefícios de cada uma delas. O que me enche de pavor é a ligeireza com que presumimos que quando os nossos governantes nos apresentam medidas que vão impactar gravemente a nossa existência — sempre ao som de fanfarra! —, é porque alguém já andou a fazer muitas contas e a traçar milhares de cenários em calhamaços de folhas de excel, e que o resultado daquilo tudo é que o bem que a coisa nos trazia superava o mal do que se perdia.

O terrível deste episódio da Galp é o de aumentar a suspeita de que não foi nada assim que as coisas se passaram, nem aqui, nem nas inúmeras decisões que já foram tomadas em nosso nome, supostamente no nosso interesse e, na maioria dos casos, com o nosso dinheiro. Que, afinal, a construção de mais um hospital ou de mais uma autoestrada não foi precedida de algum estudo ou plano que avaliasse os sacrifícios daí decorrentes, que a TAP foi nacionalizada sem estimar o que daí resultaria, e que os senhores ministros caem repetidamente na tentação de ceder às pressões e aos lobbies do momento.

Mas a culpa não é toda deles. O que lhes permite repetir a graça, vez após vez, é a nossa infantilidade de meninos mimados, habituados a que um fundo europeu ou um milagre da sorte nos venha salvar no último momento. É imaginarmos sempre que é possível comer o bolo e ficar simultaneamente com o bolo intocado na despensa. Queremos benefícios sem os sacrifícios. Ululamos por mais energia de fontes renováveis, mas não estamos preparados para pagar mais por ela, queremos preservar os recursos hídricos, mas desde que não faça subir a conta da água, apoiamos decisões que tornam a cada dia mais difícil a vida dos agricultores, mas indignamo-nos com a desertificação do interior. E é isto.

 

 

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