Opinião
Ambientalismo à medida do freguês
O ambientalismo que foi de férias durante a “crise energética”, regressará já a 22 de setembro, no Dia Mundial Sem Carros. Então sim vão gritar contra a pegada ecológica do automóvel que nos restantes dias do ano deixam destruir até um centro histórico como Sintra.
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As implicações da "crise energética" no negócio das empresas foram mera notícia de rodapé durante estes quinze dias, pouco parecendo importar fosse a quem fosse. O que abriu os noticiários foram as implicações da falta de combustível nas férias dos portugueses. Que, ficámos a perceber à exaustão, é sinónimo de levar o carro para todo o lado, seja para a voltinha pelo bairro, ou para o deixar mesmo à porta da praia, da romaria e, acima de tudo, do restaurante. Tudo isto sem que se ouvissem as vozes dos ambientalistas e dos políticos que elegem a ecologia como slogan que rende votos, a saudar esta oportunidade de aprendermos a viver sem ele. Subitamente, todos pareceram esquecer as tenebrosas ameaças do fim da espécie diariamente recitadas, e o desejo de andarmos permanentemente motorizados transformou-se num direito fundamental. Teria sido o momento ideal para António Costa repetir a frase que proferiu na inauguração da estação de metro da Reboleira em que anunciou que "As cidades levaram grande parte do século XX a habituarem-se ao automóvel e agora têm muito pouco tempo para se habituarem a viver sem o automóvel".
Em vez disto vimos diariamente o mesmo ministro que sentia que era urgente eutanasiar as nossas pobres vaquinhas para descarbonizar o ambiente, a afadigar-se em sucessivas conferências de Imprensa para garantir aos portugueses que poderiam alegremente despejar gramas de carbono à razão de 300 quilómetros por dia.
Na verdade, o planeta teria agradecido que também os automóveis fossem de férias, o que visivelmente só se consegue quando uma greve, ou uma tragédia, bloqueiam o comodismo individual.
Só para citar um exemplo, aqui por Sintra, a "crise energética" da Páscoa teve como efeito secundário permitir que por uns escassos dias fosse realmente respeitada a classificação de Paisagem Cultural património da humanidade atribuída pela UNESCO em 1995. Estatuto que visa proteger e preservar o conjunto de bens culturais e bens naturais, que sofrem a olhos vistos pela invasão do automóvel, autocarros, tuc-tucs e afins que a poluem e enchem de ruído muito para lá do aceitável. Foi louvável a coragem de fechar o centro da Vila ao trânsito, de instituir sentidos únicos, e a tentativa de limitar o estacionamento, mas as medidas de fundo repetidamente anunciadas são constantemente adiadas. Em grande parte porque embora façam parte do programa eleitoral de todos os partidos, eclipsam-se sempre depois das suas prioridades, por medo do custo eleitoral que imaginam poder representar o descontentamento daqueles que pensam que mais carro é mais negócio, ou dos que não aceitam o desconforto que o bem maior lhes provoca.
Por isso podemos ficar descansados, que nem aqui, nem em mais lado nenhum, nada vai realmente mudar e o discurso sobre o perigo dos automóveis para a pegada portuguesa só regressará a 22 de setembro, no Dia Mundial Sem Carros. Aí conte já com grandes descursalhadas em que os políticos nos vão apontar o dedo, debitando os crimes que cada automobilista comete sempre que foge aos transportes públicos, citando estudos que garantem que a sustentabilidade dos recursos naturais já ultrapassou todos os limites. Vão-se interditar ruas e praças à circulação rodoviária, anunciando que se devolve a cidade às pessoas, fingindo que era assim que pretendiam que elas fossem sempre. E nesse dia os telejornais vão mostrar famílias a passear pelas avenidas, e crianças a andarem de triciclo e a brincarem nas ruas, meias-maratonas que revelam como seria bom correr junto ao mar.
Mas todos sabem que é como o Natal, em que a sogra e a nora até trocam piropos - é coisa para durar pouco mais de vinte e quatro horas. A reação dos políticos e dos portugueses à possibilidade de faltar o combustível para as férias mostrou bem como rezam para que Deus os livre de ser Natal todos os dias.
Jornalista