Opinião
A ilusão de que ninguém manda em nós
O que vale é que a essência humana é a mesma há milhares de anos, o que significa que com um Google bem feito encontramos sempre alguém que já estudou e pôs por palavras aquilo que andamos a pensar ou a sentir.
A mim anda a fazer-me um formigueiro um mundo cheio de regras e regrinhas, que me são recordadas a todo o instante por um agente de autoridade à paisana, numas escadas rolantes ou à porta de um supermercado, num tom que deixa claro o prazer que lhe dá o pequeno poder. Eu, que até não piso os traços contínuos, nem estaciono em lugares proibidos, e sempre disse aos meus filhos que os polícias eram uns senhores que dedicavam o seu tempo a proteger-nos (até de nós próprios), sinto vontade de me rebelar contra tantos ditames, ainda para mais quando me parecem resultar mais do pânico do que da evidência científica. No fundo, no fundo, enervam-me os atropelos a direitos fundamentais – como aconteceu (acontece) com a quarentena decretada para as crianças e jovens em situação de acolhimento, ou nas primeiras diretrizes para as maternidades –, a falta de bom senso com que oiço falar no regresso à escola – desinfeção de salas que estiveram fechadas seis meses, sapatos trocados à entrada, não vá alguém lamber o chão? –, ou um desejo talibânico de nos obrigar ao uso de máscara na rua – sendo que em Espanha, onde há mais de um mês é necessário usá-la nos espaços públicos abertos, os números crescem de forma alarmante.
Reconheço que esta rebeldia poderá ter origem na frustração que me causa o facto de o mundo real se estar a assemelhar cada vez mais ao mundo dos denominados fóbicos obsessivo-compulsivos que viam bactérias e vírus em todos os cantos, e perante a incompreensão geral lavavam as mãos vinte vezes ao dia, e desinfetavam com álcool as maçanetas. Por este andar, tarda nada estou a dar razão a uma antepassada minha que, segundo as histórias do meu pai, se julgava uma aranha, e para não emaranhar a teia tinha de entrar e sair de casa pela mesma porta. Ou coisa assim.
Ai desculpem, estou a tergiversar, palavra que aprendi tarde na vida e que acabei de ir ver ao dicionário como se escreve, porque aquilo que vos queria dizer é que esta atração por opções alternativas quando a liberdade de escolha é eliminada deu origem à Teoria da Reactância Psicológica, formulada por Jack Brehm, em meados do século XX.
Recorrendo diretamente à Wikipedia, abençoada seja, ficamos a saber que a reactância é uma reação desagradável a propostas, pessoas, regras ou diretivas que ameaçam ou eliminam liberdades específicas. Ocorrem quando uma pessoa sente que alguém (neste caso, aqueles senhores que aparecem nas conferências de imprensa ou um qualquer sujeito que se torna o fiscal de linha da vizinhança), ou alguma coisa (o próprio do vírus), nos está a limitar as escolhas.
O fenómeno ocorre quando a pessoa se sente muito pressionada a aceitar uma determinada ideia ou atitude, levando-a a adotar ou a fortalecer uma ideia ou uma atitude oposta, só para ser do contra. E explica porque é que alguém se apanha a negar uma evidência, ou a lutar por qualquer coisa que realmente não quer (como, por exemplo, ficar doente ou pôr os outros em risco).
Mas o mais extraordinário desta descoberta é que permitiu aperfeiçoar técnicas de psicologia invertida, ou seja, manipular esta reação, levando-nos a agir como realmente pretendem, mas deixando-nos convencidos de que agimos livremente. E que ninguém manda em nós. Por outras palavras, se querem mesmo que usemos máscaras, andemos com o gel a tiracolo, o melhor é não nos chatearem tanto.
Interessante, e aplicável a maridos e filhos, que reagem às nossas sugestões como se estivéssemos a atentar contra a sua identidade. Vou experimentar.