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A depressão na primeira pessoa

“Escuridão Visível” é o relato na primeira pessoa da depressão profunda que levou o escritor William Styrton à beira do suicídio. Nunca mais olhará a doença mental da mesma forma, depois de o ler.

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Cruzei-me com "Escuridão Visível", o livro em que William Styrton descreve a forma como se afundou na depressão profunda, num momento em que precisava desesperadamente de entender o que conduz alguém ao suicídio. Nessa altura, existia apenas a versão original em inglês, mas agora acaba de chegar às livrarias em português, e posso recomendá-lo a toda a gente.

 

Acredito, sinceramente, que pode salvar vidas, porque permite às vítimas colocar legendas no seu sofrimento, ajudar infinitamente quem lhes está próximo, trazendo conforto às famílias dos que não lhe resistiram, e todos os dias se perguntam "porquê?".

 

"Escuridão Visível" não é um manual de autoajuda, a sua força reside no facto de ser um testemunho na primeira pessoa de alguém que passou por isto e sobreviveu para contar. Prémio Pulitzer, autor de livros como "A Escolha de Sofia", Styrton tem a vantagem sobre o comum dos mortais de conseguir usar as palavras para dizer o que os outros não são capazes. Nesta sua "Memória de Loucura", percebemos como insidiosamente a doença suga a energia e rouba a esperança, reduzindo a vítima a alguém que ela própria já não reconhece. Compreendemos, também, como persiste o medo e o preconceito contra a doença mental, a ignorância que ainda a rodeia, sim, mesmo entre os técnicos de saúde, e os juízos precipitados que só tornam a dor ainda mais indizível.

 

E foi exatamente uma notícia no New York Times sobre o escritor Primo Levi, em que transparecia a perplexidade, desilusão e até vergonha pelo suicídio de um homem que suportara tanto às mãos dos nazis, como se subitamente se tivesse tornado "fraco", que levou Styrton a falar da sua doença publicamente. E é ele que nos conta no livro: "A minha indignação foi tão intensa que me senti compelido a escrever para a secção de opinião do Times. A argumentação que propus era bastante linear: a dor de uma depressão grave é completamente inimaginável para quem nunca a sofreu, e mata porque a angústia que provoca é absolutamente insuportável. A prevenção de muitos suicídios será difícil até as pessoas entenderem realmente a natureza desta dor. Graças ao processo de cicatrização que ocorre gradualmente com o passar do tempo - e através da intervenção médica ou, em muitos casos, da hospitalização -, a maioria das pessoas sobrevive à depressão, o que pode ser a sua única bênção, mas não devemos acrescentar à legião trágica que se sente compelida a autodestruir-se mais reprovação do que aquela com que encaramos uma vítima de cancro terminal."

 

E continua: "É perfeitamente natural que aqueles que estão mais próximos da vítima de suicídio procurem tantas vezes e tão desesperadamente negar a verdade; a consciência dos juízos de valor dos outros, a culpa pessoal - a ideia de que poderiam ter evitado o ato se tivessem feito isto ou aquilo, agido desta ou de outra forma - tornam--no provavelmente inevitável. Contudo, o suicida que estava em sofrimento - quer se tenha chegado a matar, feito uma tentativa ou apenas ameaçado cometer o ato - passa muitas vezes, como resultado da negação dos outros, a assemelhar-se a um criminoso."

 

A resposta dos leitores do jornal foi avassaladora. Styrton ficou espantado "com o número de pessoas para quem o assunto era tabu, uma matéria de segredo e vergonha". Teve consciência de que "inadvertidamente abrira a porta de um armário do qual muitas almas estavam desejosas de sair para proclamar que, também elas, haviam sentido o que eu descrevera no papel."

 

A revista Vanity Fair pediu-lhe um artigo mais alargado, que William Styrton depois completou, transformando-o neste pequeno livro que felizmente agora chega até nós. Não deixe de o ler.

 

Jornalista

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