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O Qatar, Trump e o terrorismo

Não deixa de ser curioso como a Arábia Saudita é o maior aliado dos EUA na "luta contra o terrorismo". O objectivo maior desta acção punitiva face ao Qatar e ao seu jovem emir é mais vasto: o Irão.

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A Ponte de Londres, foco do último atentado terrorista na Europa, tem um passado de cenas horrorosas. Foi ali que foram expostas as cabeças cozidas de Thomas More e Thomas Cromwell depois de terem caído em desgraça, durante as lutas religiosas e de poder no tempo de Henrique VIII. More, não o esqueçamos, escreveu "Utopia", onde ficcionava um sistema político, social e religioso de uma ilha perdida no oceano. Mas, mais do tempo de imaginação, esse era de pragmatismo e violência. Tal como hoje.

 

Olhamos para os tambores da guerra que foram colocados à volta do Qatar e ninguém pode ficar indiferente à forma patética como o presidente da maior potência mundial, Donald Trump, avaliza a acção da Arábia Saudita, dos Emiratos Árabes Unidos e do Egipto, dando a si próprio o "crédito" pelo corte de relações com o emirato. Desde essa acção repressiva contra o Qatar e contra o emir al-Thani (que tem a ver com a postura independente do emirato no contexto do Golfo, com as suas ligações ao Irão e com o seu apoio à Irmandade Muçulmana no Egipto) alguns peões moveram-se em prol de uma situação diplomática. Foi o caso da União Europeia (que sabe que um conflito militar ali pode desestabilizar ainda mais a região) e da Turquia (Erdogan colocou-se ao lado de al-Thani, tendo o Parlamento turco ratificado o envio de tropas para o Qatar). Pelo meio, os atentados de Teerão mostram como a ideia de Teerão ser "a cabeça do terrorismo" só existe na mente pouco iluminada de estrategas americanos e sauditas. Até porque, como é evidente, o Daesh e mesmo a Al-Qaeda bebem no caldo do "wahhabismo" saudita, a corrente mais radical do Islão, e que tem sido exportada de Riade para todo o mundo.

 

Não deixa de ser curioso como a Arábia Saudita é o maior aliado dos EUA na "luta contra o terrorismo". O objectivo maior desta acção punitiva face ao Qatar e ao seu jovem emir é mais vasto: o Irão. Há quem aposte num conflito sem precedentes entre sunitas e xiitas no Médio Oriente. E esta é mais uma jogada de xadrez dentro desse complexo jogo. O mito da unidade árabe faleceu há muito. E al-Thani defronta-se agora com a pressão extrema dos seus vizinhos: para sobreviver politicamente vai ter de abdicar muito provavelmente do apoio à Irmandade Muçulmana e às ligações privilegiadas com o Irão. Mas isso não dilui o jogo maior.

 

Estamos a assistir no Médio Oriente a um regresso dos tempos da Guerra Fria, com o papel cada vez maior da Rússia. Mais do que isso, depois do surpreendente fascínio pela "Primavera Árabe" e o ataque aos ditadores da região (Mubarak, Kadhafi, Saddam Hussein), os países ocidentais começam a perceber que o tiro saiu pela culatra. Eles estancavam a emigração para a Europa e eliminavam a oposição mais radical que hoje milita no Daesh e ataca na Europa. Por isso, ironia trágica da história, americanos e europeus parecem estar a voltar aos tempos em que preferem ditadores e regimes opressivos do que democráticos. Desde que eliminem os opositores incómodos para a Europa e EUA. Para Portugal este não é um assunto indiferente. O Qatar foi um dos pólos mais atractivos da diplomacia económica portuguesa nos últimos anos no Médio Oriente. Por isso não é um assunto irrelevante para Portugal.

 

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