Opinião
O momento Coiote da Europa
Há dias, o antigo presidente da Reserva Federal norte-americana, Ben Bernanke, alertou para a possibilidade de chegar um "momento Coiote", ou seja, acontecer um "crash" económico em 2020.
Para ele, assim que dissiparem os efeitos da reforma fiscal de Donald Trump, haverá uma queda do crescimento. E aí haverá o "momento Coiote": vamos atirar-nos para o precipício, algo que acontece muitas vezes nos célebres desenhos animados, quando ele persegue o Bip Bip. A Europa não precisa de uma futura crise económica para criar o seu "momento Coiote". Nem sequer da forma mal-educada como Trump a tem tratado, na sua senda de desintegrar a União Europeia, como foi visível na reunião do G7 ou, antes, no acordo sobre o nuclear com o Irão. Basta-lhe ter milhares de migrantes à deriva no Mediterrâneo para que a UE não saiba o que fazer. A comédia trágica em que se tornou a aventura do navio Aquarius, proibido de atracar em portos da Itália e de Malta, e que seguiu para Espanha, mostra a caricata política desta UE. França apressou-se a criticar Itália, até porque o governo de Roma é populista e xenófobo. Mas esquece o que tem sido a política europeia face a este problema que vai continuar indefinidamente. Itália e Grécia (esta, numa altura de resgate) ficaram sós com o problema. À Turquia pagou-se para que aguentasse os migrantes no seu solo. Depois Bruxelas admirou-se que a "política do medo" conquistasse terreno em Itália, Grécia, Hungria e Polónia. O problema dos migrantes não se resolve com subsídios, fronteiras fechadas ou declarações de princípio. É um problema vasto e os milhões de sub-saarianos que caminham para a Europa não têm nada a perder. A não ser a vida.
O grande mestre veneziano Ticiano pintou o episódio do rapto da princesa fenícia Europa, que Ovídio conta nas suas "Metamorfoses". "O Rapto de Europa", assim se chama o quadro, ilustra a transformação de Zeus em touro branco para raptar Europa. Rembrandt haveria de pintar o mesmo mito grego. Mas ambos acabaram por ser premonitórios sobre a Europa actual, sequestrada pelos burocratas de Bruxelas que querem uniformizar os europeus e por uma elite política que assiste impávida e serena ao desagregar de um conceito civilizacional comum. A única política definida para a Europa, para a raptar ao seu conceito como centro de liberdade, de igualdade e fraternidade, foi uma tirania de austeridade sem fim que só irá terminar quando algum bloco, especialmente o do Sul, implodir. O desemprego crescente fora dos países mais ricos, nomeadamente entre os mais jovens e aqueles que nunca mais conseguirão voltar ao mercado de trabalho devido à sua idade e poucas qualificações, é um baú de pólvora.
Face a isso a Europa do centro não apresenta qualquer "política de esperança". Tal como antes da II Guerra Mundial, são os políticos que colhem a sementeira do medo instalado que surgem mais bem colocados para fingir resolver os problemas. Combater este sentimento com a austeridade foi colocar gasolina no fogo. Agora, com um problema insolúvel, o centro europeu quer novamente que o Sul resolva o problema. Deslocando fábricas para aqui, com salários miseráveis, ou com críticas aos governos falidos. Bruxelas não enfrenta o problema: chuta-o para o Sul. O drama do Aquarius é o primeiro de muitos outros. Bem piores.