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01 de Dezembro de 2016 às 20:05

O choque frontal europeu

A Itália é mesmo uma roleta russa: a instabilidade política em cima de uma crise bancária quase insolúvel e com a insistência de Bruxelas em que não haja apoios públicos ao "buraco" podem conduzir a uma catástrofe.

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Um recente artigo de Wolfgang Munchau no Financial Times faz tiro ao alvo à arrogância das elites liberais europeias. Não é meigo: "A própria UE, por sua vez, está a insistir nos erros sempre que possível. O acordo comercial com o Canadá e a Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento ainda por concluir, são hoje tão populares como a instalação de mísseis nucleares de médio alcance nos anos 1980. Uma insurreição popular está em curso contra eles porque as pessoas temem uma redução na protecção do consumidor e uma tomada do poder pelas multinacionais".

 

Quase no mesmo sentido vão as declarações de Heiner Flassbeck a Rui Peres Jorge, aqui no Negócios: "Os americanos não permitirão o que se está a passar e não serão tão suaves como até agora". Ou seja: "Trump vai dar uma lição à Alemanha". As placas tectónicas entre a política expansionista que Trump prevê e a sua desconfiança da globalização económica e a austeridade caricata da Europa (e os jogos de bastidores em Bruxelas que nada têm a ver com as preocupações dos cidadãos europeus) vão provocar um terramoto político. As próximas eleições (Itália, Áustria, Holanda, França, Alemanha) vão mostrar que a elite europeia está a caminhar para o seu suicídio. De forma ordenada, como manda a tradição alemã.

 

Os países europeus do "centro" estão doentes. A França e a Itália são casos exemplares. Na frança o perigo é Marine Le Pen. Na Itália, Beppe Grillo. Ambos são ferozes inimigos da UE e do euro. Ambos representam o mesmo mal-estar que levou Donald Trump à presidência e os britânicos a votar alegremente pelo Brexit. Tudo porque a elite burocrática de Bruxelas e Berlim mostram-se incapazes de afrontar os verdadeiros problemas na UE. E isso está a levar a jogo suicida por parte dos eleitores. Munchau diz que estamos a ser governados pelos Bourbons dos tempos modernos. Que não aprenderam nada e não esqueceram nada.

 

A Itália é mesmo uma roleta russa: a instabilidade política em cima de uma crise bancária quase insolúvel e com a insistência de Bruxelas em que não haja apoios públicos ao "buraco" podem conduzir a uma catástrofe. Com uma dívida pública brutal e um serviço de dívida astronómico (4% do PIB) a Itália caminha para se tornar uma gladiadora em busca da sobrevivência no Coliseu. Desde que aderiu ao euro o crescimento de Itália tem sido anémico: é um dos perdedores da moeda única. Na França o caso é mais curioso. Para vencer Le Pen a solução é François Fillon, um liberal adepto do mercado. Como o liberalismo nunca foi popular em terras gaulesas é um risco face à política musculada de Marine Le Pen. Pelo meio fica o poder hegemónico da Alemanha, que parece irredutível na defesa das políticas económicas que julgam que a defenderão para sempre. É aí que Trump e a UE vão chocar. E que os cidadãos europeus vão chocar com Bruxelas.

 

Sem um projecto de vida comum, a União vai-se desfazendo perante o olhar pacato das elites. Que parecem, como dizia Munchau, à espera do seu momento Maria Antonieta. Ninguém parece ainda querer perceber que o choque será frontal. E que, quando acontecer, veremos quem sofrerá mais.

 

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