Opinião
Lisboa, menina e moça?
Há muitos anos, quando escreveu "Lisboa, menina e moça", José Carlos Ary dos Santos falava ainda de uma cidade onde os bairros eram corações fortes, cercando um Terreiro do Paço poderoso.
Era uma cidade típica, sem ser moderna. Décadas depois, sem conseguir ser moderna, arrisca-se a deixar de ser típica. Lisboa desinvestiu dos bairros e não investiu numa visão que a tornasse moderna sem desprezar o passado alfacinha e sem ignorar a riqueza cultural que a emigração lhe trouxe. Lisboa continua sem ter direito a uma visão criativa para a transformar naquilo que deve ser: uma cidade cosmopolita, mas agradável para viver, trabalhar e passear. Agora é uma cidade agressiva, sem uma estratégia definida, sem saber tornar-se um rentável destino turístico, sem aproveitar o caldo cultural que a tornaram tão excitante.
Há hoje uma Lisboa desertificada no seu centro, onde as pessoas deixaram de poder viver. Empurradas para fora pelo valor exorbitante das rendas. Os serviços públicos foram saindo do centro para edifícios gigantescos e, com isso, enterrou-se todo o pequeno comércio que dele dependia e a vida própria que eles garantiam. Foram as decisões políticas que arruinaram de vez a Baixa. Sem a vida de pessoas novas será difícil que o centro de Lisboa atraia mais turistas com poder de compra e gere riqueza. Riqueza intelectual, cultural e económica. Só isso permitirá uma Lisboa diferenciada e não falsa, pejada apenas de cadeias internacionais semelhantes a todas as cidades. Elas são desejáveis mas deve haver um equilíbrio. As obras que estão a tornar irrespirável a capital, todas feitas na mesma altura, são a última pedra no sapato dos que querem viver e trabalhar em Lisboa. Basta passar pela zona entre Entrecampos e Saldanha: peões que têm de vir para a estrada porque não há passeios nem semáforos, retroescavadoras a trabalhar ao lado de quem passa, carros afunilados. O caos perigoso. Resta saber o que vai sair deste sonho de Fernando Medina que se tornou um pesadelo diário.
Grande repórter