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A Itália, o euro e a Europa histérica

A Europa continua sem perceber o que está mesmo em causa.

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Ao pôr fim à formação do governo de Giuseppe Conte (Fruto da aliança da Liga com o Movimento 5 estrelas), o presidente da República italiana tentou criar uma ficção de estabilidade face ao nervosismo dos mercados e de Bruxelas. Sergio Mattarella cilindrou a nomeação para ministro das Finanças de Paolo Savona, um eurocéptico que deseja, sem o dizer, a saída da Itália da zona euro. Este lugar ministerial é, como se imagina, central num país cuja dívida pública atinge 130% do PIB. Mas esta decisão não resolveu o essencial: no caso de novas eleições, a extrema-direita da Liga e os populistas do 5 Estrelas ver reforçada a sua votação, num país que busca desesperadamente alguma segurança, depois de anos sem fim de corrupção, de crise económica e desvario com os dinheiros públicos. Como pano de fundo surge a questão da unidade da Europa e do euro, de que a Itália é um eixo fundamental. Ao pedir a Carlo Cottarelli para formar um "Governo técnico", o Quirinal não dá esperanças para lá do curto prazo. É uma solução "spaghetti bolonhese" para a profunda crise de identidade italiana, até porque dificilmente o antigo quadro do FMI, defensor da austeridade (que na Europa é um sinal, quase sempre, de reforço de tendências populistas), conseguirá ter luz verde do Parlamento italiano. Estabilidade é o que os italianos parecem desejar, eles que tiveram 61 governos em 70 anos. Mas toda esta crise mostra como a Europa continua sem perceber o que realmente está em jogo: o desespero face à falta de alternativas em sociedades onde se chacinou a classe média em nome do controle fiscal. Trump não é um acaso. A situação italiana também não o é.

Tudo parece fazer com que olhemos para libvos como "O Leopardo" de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, a crónica da luta da aristocracia siciliana para sobreviver face às mudanças sociais mais radicais. Hoje parece ser evidente que, a Ocidente, a arte da política (como forma de actuar e pensar) é uma invenção italiana. Nicolau Maquiavel, o grande pensador sobre o tema, tornou claro que as relações de poder não são transparentes, mas complexas e imprevisíveis e não poucas vezes, nebulosas. "O Príncipe" é a tenebrosa fonte de poder que ilumina todas as decisões políticas desde então. Como se a política fosse, por devoção, o cinismo perfeito. Onde a boa fé a a moralidade estão ao serviço dos interesses de conquista e preservação do poder, sendo afastadas quando necessário. Giuseppe Tomasi di Lampedusa cria em "O Leopardo" uma versão diferente do conceito central de "O Príncipe". É a ficção política elevada ao seu grau supremo. Porque o príncipe de Salina é o homem que, na sua subtileza poderosa, procura preservar o poder feudal da sua familia na era da unificação italiana em 1860. O príncipio de "O Leopardo" de que "tudo deve mudar para que tudo possa ficar na mesma", altera-se com o tempo, mas na realidade, exceptuando em momentos de ruptura social muito grandes, aplica-se a tudo. Se "O Príncipe" acredita na acção política em busca do poder e, pelo contrario, "O Leopardo" acredita que é pela inacção que o poder se mantém. Ou seja, que na realidade as sociedades são reféns da história, do lugar, dos costumes e do clima. Para Lampedusa os acontecimentos são por vezes ilusórios, superficiais, e no mundo imutável o poder, a subordinação e a corrupção mantêm-se e adaptam-se. A Itália de hoje (e também a Europa) têm os mesmos dilemas destes tempos de Maquiavel e Lampedusa.



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