Opinião
A feira do gado
O principal sintoma de que um regime político está a desmoronar-se é a corrupção da linguagem. Quando as palavras deixam de corresponder às coisas ou são usadas levianamente, o castelo de cartas cai com estrondo.
Pior é quando se tenta mascarar piadolas, vestindo-as de virtudes desconhecidas. Foi isso que fez Augusto Santos Silva quando, apanhado a comparar a Concertação Social com uma feira do gado, pensou ingenuamente que este é um país de "cowboys" e que a política é um "rodeo". Nada que nos admire: vivemos num mundo onde os discursos foram substituídos pelos tweets. Também não podemos levar a sério tudo o que se diz: televisões e rádios estão repletos de humor duvidoso, porque agora acha-se que tudo tem de ter piada. E nada é para ser levado a sério. Nem a política, pelos vistos.
O ministro Santos Silva tem o direito constitucional de dizer piadas de duvidosa qualidade sobre a actividade governativa. Acha que tem sentido de humor. Podemos duvidar, mas todos os ministros têm direito ao seu momento de "stand-up comedy". Desde que não o confundam com um dever.
O problema é que a duvidosa piada (recebida com um encolher de ombros e um sorriso amarelo pela CIP ou pela CCP) não ficou pelo momento Humpty Dumpty ("as coisas significam o que eu quero que signifiquem") do ministro Santos Silva. Este decidiu pedir desculpa. O problema é que tropeçou nela. Defendendo a salutar ética das feiras do gado o ministro diz que: "Quem as conheça sabe bem quão dura pode ser a negociação, quão dura pode ser a transacção, que é caracterizada pela honradez das partes. Um acordo celebrado com a palavra ou com um aperto de mão vale mais do que o contrato assinado em cartório de notariado".
Perceberam? Afinal o ministro Santos Silva não estava a fazer uma piada. Estava a falar a sério. O que nos deixa com uma temível dúvida: quando estiver com ar grave a dizer algo deveremos achar que o que está a dizer é para levar a sério ou encarar isso como mais uma prova do seu inconfundível sentido de humor? n
O ministro Santos Silva tem o direito constitucional de dizer piadas de duvidosa qualidade sobre a actividade governativa. Acha que tem sentido de humor. Podemos duvidar, mas todos os ministros têm direito ao seu momento de "stand-up comedy". Desde que não o confundam com um dever.
Perceberam? Afinal o ministro Santos Silva não estava a fazer uma piada. Estava a falar a sério. O que nos deixa com uma temível dúvida: quando estiver com ar grave a dizer algo deveremos achar que o que está a dizer é para levar a sério ou encarar isso como mais uma prova do seu inconfundível sentido de humor? n
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