Opinião
A desordem europeia
Uma das ideias fortes de todos estes movimentos é a de que os "mais ricos" (Catalunha, Lombardia, Alemanha) não devem pagar os problemas dos "mais pobres". No fundo, é a solidariedade social que está em jogo.
No último livro de John le Carré, "Um Legado de Espiões", George Smiley, órfão do mundo de regras e segurança onde vivera, diz ao seu antigo subordinado Guillam: "Então terá sido tudo pela Inglaterra? Houve tempos, claro que houve. Mas a Inglaterra de quem? Qual Inglaterra? A Inglaterra sozinha, um cidadão de nenhures? Eu sou europeu, Peter. Se eu tinha uma missão, se alguma vez tive consciência de alguma além da nossa questão com o inimigo, era para com a Europa." Smiley percebeu que a Europa existe pela sua união e não no meio da desordem e da fragmentação. E num mundo multipolar, onde a China emerge, a Europa só terá uma voz se for uma teia comum. Esse foi, de alguma maneira, o sonho de Carlos Magno ou, depois, do cardeal Richelieu. E de tantos outros. Mas, de vez em quando, esse sonho comum desintegra-se. Foi o que aconteceu na década de 1930, depois do fim da grande globalização de inícios do século XX e dos "anos loucos" pós-guerra. Nesse tempo, todos eram nacionalistas: os italianos queriam ser italianos, os alemães, alemães. Após a II Guerra Mundial, os europeus vislumbraram alguma virtualidade na identidade comum. Nem sempre a imposta por Bruxelas, mas a unidade na diversidade cultural.
A tentativa de independência da Catalunha, na sua pretensa inocência, coloca esta ideia de Europa em xeque. Faz parte de um movimento mais amplo, de características ultranacionalistas, que faz do "inimigo externo", a forma de criar regimes musculados no interior de cada país. Basta olhar para o que se tem passado nos últimos dias: a vitória dos nacionalistas na República Checa, o poder do AfD na Alemanha, as votações a pedir maior autonomia nas regiões mais ricas de Itália (Lombardia e Veneto), são faces distorcidas da mesma lógica. Uma das ideias fortes de todos estes movimentos é a de que os "mais ricos" (Catalunha, Lombardia, Alemanha) não devem pagar os problemas dos "mais pobres". No fundo, é a solidariedade social que está em jogo. É o fim da humanidade o que se pede, efectivamente, na Catalunha.
Grande repórter