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Regresso ao início

Teremos agora, é certo, com a remodelação do Governo, um tempo de alguma distensão. Mas o que não teremos seguramente é uma alteração de política com a profundidade e a abrangência necessárias à superação da dificílima situação em que nos encontramos.

A decisão do Presidente da República de manter em funções o actual Governo colocou um parêntesis na turbulência política que assola o país. Mas não permite resolver nada do que de essencial nos trouxe até aqui: a degradação profunda da situação económica e social e a falta de credibilidade da política económica do Governo para lhe fazer frente. 


Na verdade, três semanas depois da demissão de Vítor Gaspar e após a espantosa sequência de eventos que lhe sucederam, estamos provavelmente no mesmo exacto sítio onde nos encontrávamos: com uma economia em recessão profunda e prolongada, com um desemprego socialmente explosivo, com um défice e dívida fora de controle e com um Governo apostado em prosseguir a mesmíssima política que até aqui falhou de forma tão clamorosa.

Do lado da situação económica e social os indicadores são conhecidos: estamos no 3.º ano consecutivo de recessão, o investimento continua em queda abrupta (entre 2010 e 2013 terá caído 35%), o desemprego sobe acima dos 17%, o défice mantém-se em valores de 2011, e a dívida ultrapassa os 125%. Tudo muito mais negativo que o inicialmente previsto e, pior que tudo, em sério risco de deterioração e não de melhoria.

Mas nada disto fez mover o Governo. Aliás, se algo ficou claro do processo de diálogo entre os partidos é o facto de que o primeiro e principal obstáculo à mudança de política económica não está na Europa ou na Troika, mas sim na maioria que nos governa. O documento apresentado pelo PSD ("Bases para um Acordo de Salvação Nacional"), que merece ser lido na íntegra, é aliás totalmente claro a esse propósito: prosseguir com os cortes de €4.700M já apresentados (ou medidas equivalentes), assumir uma leitura extrema (que não é a da Lei) quanto às obrigações decorrentes do novo Tratado Orçamental, ou omissão completa de qualquer referência à necessidade de melhoria das condições de serviço da dívida.

Teremos agora, é certo, com a remodelação do Governo, um tempo de alguma distensão e possivelmente uma alteração de ênfase no discurso político. Poderemos até ter alguma dilatação no tempo dos cortes anunciados para 2014. Mas o que não teremos seguramente é uma alteração de política com a profundidade e a abrangência necessárias à superação da dificílima situação em que nos encontramos.

Esta foi pois uma crise política inútil, pois dela não resultou nenhuma saída para os bloqueios que enfrentamos. E é assim também uma crise perigosa, pois não resolver significa aumentar os riscos económicos e sociais no país e dificultar as condições para a sua gestão adequada. "Terminar o Programa de Assistência" ou "Livrarmo-nos da Troika" podem ser objectivos importantes no discurso político dos partidos da maioria. Mas para o país serão vazios se chegarmos a 2014 numa situação ainda mais insustentável que nos dias de hoje.

Economista. Deputado do PS.

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