Opinião
Você contrataria o Homem-Aranha?
Para fazer dinheiro, a Marvel tem de vender a narrativa de que só o grupo pode vencer. São 26 super-heróis em mais de duas horas de filme. Metade deles não fixei o nome.
Quando miúdo, chamavam-me "caixa-d'óculos". Minto, a expressão brasileira era diferente: chamavam-me "quatro-olhos".
Lembro-me disso ao colocar os óculos 3D sobre os meus. Não é a coisa mais confortável do mundo, mas tem de ser. Tudo para "experienciar" ao limite o mais novo blockbuster de Hollywood.
O mundo agora é assim. Temos de inventar verbos novos para coisas antigas. Os filmes não são feitos para serem vistos, mas sim experimentados. Adiante.
Estou numa sala Imax à espera que comece a projeção de "Os Vingadores - Guerra Infinita". Ao meu lado está um puto de 12 anos a comer nachos. Sinto-me estranho. Não por ser um senhor de 50 anos perdido num mar de adolescentes. Os nachos é que cheiram mal.
Mil milhões de dólares, penso na cifra. Mil milhões de dólares é muito dinheiro seja qual for a referência. Não são trocos para se trazer no bolso. É quantia razoável para fazer o George Soros tossir ou o Bill Gates espirrar.
A Disney facturou essa quantia este mês só com este "Vingadores", que nem sequer estreou ainda na China, o segundo maior mercado do planeta.
O filme arrisca chegar aos 2 mil milhões de dólares nos próximos meses. Já se pagou completamente, a questão é saber qual vai ser a dimensão do seu lucro.
Não se engane, não há business como o show business. "Guerra Infinita" é o 19.º filme produzido, desde 2008, dentro do chamado Marvel Cinematic Universe. Não é bem uma novela, mas é quase. Falta só o Tony Ramos a fazer um sotaque. Ou a Alexandra Lencastre a fazer de má. Cada filme contribui com um pedaço de uma ambiciosa narrativa que teima em não acabar.
A Marvel tem mais 13 filmes em produção. O mais importante de todos será a terceira parte desses Vingadores, onde saberemos se os super-heróis sobrevivem ou não à fúria do vilão Thanos.
"Guerra Infinita" é um espelho da sociedade politicamente correta. Tenta-se buscar um certo equilíbrio entre personagens masculinas e femininas. Há brancos, negros, orientais, além do Hulk, claro, que representa a quota dos verdes (não sei se ecologistas ou apenas veganos).
Se quisermos podemos fazer uma leitura do ponto de vista da gestão. Os Vingadores são uma metáfora sobre as empresas hoje em dia.
Temos o Homem de Ferro, capitalista selvagem, a supremacia da tecnologia sobre o humano. Temos o Hulk, millennium que só ele, qualquer coisinha fica logo magoado e sai a partir tudo. Thor é um deus intocável, representa o líder vistoso e bem-sucedido. O Homem-Aranha é o estagiário, alguém que chega ao grupo depois de formado, não respeita as regras e conta com a condescendência do chefe para não ser despedido. O Capitão América defende a ética corporativa acima de tudo. E por aí vamos.
Os Vingadores demonstram que a diversidade pode ajudar na adversidade. Que boas equipas são formadas por indivíduos distintos, com poderes/forças diferentes e complementares.
Para fazer dinheiro, a Marvel tem de vender a narrativa de que só o grupo pode vencer. São 26 super-heróis em mais de duas horas de filme. Metade deles não fixei o nome.
A longa acaba e tenho de reprimir o desejo de bater palmas. O miúdo dos nachos não sofre com esse problema. Está em pé sobre a cadeira a ovacionar o ecrã como se lá estivesse uma companhia de ópera.
Tenho inveja e não. Por um lado, é sempre bonito ver a juventude manifestar-se sem travões. Por outro, não sei, a noite dele não vai ser grande coisa. Duvido muito de que aqueles nachos não estivessem estragados.
Ou como diria o meu Tio Olavo, a citar o grande filósofo Spiderman: "Com grandes poderes vêm sempre grandes responsabilidades."
Publicitário e Storyteller
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico