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17 de Março de 2021 às 09:40

Palavras não curam

O Brasil tornou-se um perigoso laboratório a céu aberto sobre o que um vírus provoca se não for controlado. Pode ser que algo seja feito a partir de agora e a coisa fique-se por 500 mil mortos oficiais e milhões de pessoas atiradas à miséria absoluta. Veja bem, este é o cenário mais otimista.

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Um ditador quando é muito bom no que faz (ou seja, é muito mau) tem como uma das suas principais missões coibir as palavras.

As palavras traem, enganam, iludem. Dizem coisas que são o seu contrário, têm significados contrabandeados.

Lembro sempre do exemplo dado por Gilberto Gil na canção “Metáfora”: “Uma lata existe para conter algo / Mas quando o poeta diz: lata / Pode estar querendo dizer o incontível / Por isso, não se meta a exigir do poeta / Que determine o conteúdo em sua lata / Na lata do poeta tudo, nada cabe / Pois ao poeta cabe fazer / Com que na lata venha a caber o incabível.”

Incabível: o que não tem cabimento nem razão de ser. Quantas coisas incabíveis são ditas por aí por esses dias...

A tensão trazida pela pandemia faz com que pessoas inteligentes digam disparates. O contrário não é verdade. Ainda não vi disparatados a dizer coisas brilhantes sobre a covid e como nos devemos comportar por causa dela.

Tenho amigos negacionistas. Todos temos. Alguns são de forma tão discreta que quase não percebemos. São os que aceitam que as regras existam, nem as discutem. Apenas não cumprem as que não se encaixam bem no seu modo de vida.

Mas há aqueles que levantam bandeiras. Mesmo não conseguindo levar a sua dama adiante continuam a trazer para a mesa estudos que supostamente comprovam os seus pontos de vista.

Os estudos contra as máscaras e o distanciamento são sempre diferentes, referem sempre países diversos, universidades renomadas e especialistas fantásticos. Nada disso impede a pandemia de avançar, de as pessoas continuarem a morrer justo quando não se usa máscara e não se proíbe as aglomerações.

A situação brasileira é a mais paradigmática. Os números absolutos e relativos que o Brasil expõe sobre a covid revelam uma sociedade com instintos suicidas liderados por um necropolítico.

A vida nunca valeu lá muito no Brasil. Ao menos, a vida dos pobres (mais ainda se são negros, mulheres, nordestinos, homossexuais: a vida destes está sempre em saldo). Porém, ainda havia uma réstia de racionalidade e um sentido ténue de comunidade.

Não há mais. O Brasil tornou-se um perigoso laboratório a céu aberto sobre o que um vírus provoca se não for controlado. Pode ser que algo seja feito a partir de agora e a coisa fique-se por 500 mil mortos oficiais e milhões de pessoas atiradas à miséria absoluta. Veja bem, este é o cenário mais otimista.

Lula reapareceu nesse cenário dantesco e proferiu algumas palavras que foram recebidas por muitos brasileiros como que partes de um discurso de Churchill ou de uma prosa de Cícero.

As palavras de Lula foram estas: “Usem máscaras. Vacinem-se. Depois de vacinados continuem a usar máscaras, não é para sair de casa encher a cara de cachaça. Ah, a Terra é redonda.”

Bolsonaro acusou o toque e ensaiou timidamente dizer coisas que fazem sentido. Mas logo voltou ao seu normal negacionismo. Ele não tem máscara. Mas tem lata.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “As palavras fazem muito, mas não curam tudo.”

 

Lula reapareceu nesse cenário dantesco e proferiu algumas palavras que foram recebidas por muitos brasileiros como que partes de um discurso de Churchill.
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