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Edson Athayde - Publicitário e Storyteller 11 de Junho de 2019 às 19:24

Olhos que condenam

Outra lição que tiramos da série é a de que não, o mundo não enlouqueceu com as redes sociais. Elas não existiam em 89 e não foram necessárias para que um circo de opiniões obtusas fosse montado.

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O Estado, a Lei e o Poder (tenha sempre medo das palavras quando começam com maiúsculas) aparecem como sinónimos de "monstro" ou "vilão" ou, no mínimo, antagonista, nas mais variadas histórias em todos os tempos.

 

Tememos quem manda mais do que nós. E, via de regra, esse temor tem muitos fundamentos.

 

Na antiga Grécia, Antígona, protagonista da peça homónima de Sófocles, destacou-se na representação do diminuto tamanho que temos diante das macroestruturas legais. A pobre queria enterrar o irmão, Polinices, morto na tentativa de tomada do reino de Tebas. Mas, por ser do lado derrotado, Polinices, segundo Creonte, o tirano da polis, deveria ficar insepulto, símbolo máximo de desonra.

 

Antígona não aceitou as ordens e ao perseguir a sua verdade, a de que o seu irmão merecia um enterro, acabou por arrastar muitos para uma grande tragédia, onde ninguém, nem mesmo o poderoso Creonte, termina bem.

 

Recordei da luta insana de Antígona ao visionar a série "When They See Us", recente sucesso da Netflix. Passados milhares de anos, somos os mesmos em questões de justiça, a balança continua a pender para o lado mais forte.

 

"When They See Us" traz no seu título uma chave importante para a compreensão da história. Tudo começa em 1989 quando um grande grupo de jovens decide sair do Harlem para ir ao Central Park. A maioria estava ali sem nenhum outro motivo além de diversão, mas por aqueles rapazes serem barulhentos e, principalmente, por serem negros, o grupo acaba por chamar a atenção.

 

Alguns delitos foram cometidos durante aquela noite. O principal foi o estupro violento de uma jovem branca. A procuradora de crimes sexuais de Nova Iorque decidiu que precisava de acusar e punir alguém. De forma aleatória, inculpou cinco jovens e atropelou qualquer indício de ética para os levar ao banco dos réus.

 

"When They See Us" é uma série tensa, muito bem desenhada, muito bem escrita. Mesmo sendo de outro país, de outra geração, de outra cor, não há como não se identificar com aqueles cinco miúdos, todos vítimas do acaso, da sede de justiçamento social, dos pequenos e grandes poderes.

 

O subtexto é o de que eles deveriam ser invisíveis para sobreviverem na Manhattan daquela época (hoje seria diferente?). Mas estavam no lugar errado, na hora errada, e assim foram "vistos", razão primeira para uma punição.

 

O nome da série foi traduzido em Portugal para "Aos Olhos da Justiça". Já a tradução brasileira, "Olhos que Condenam", parece-me ser mais precisa. Afinal, um julgamento é tanto composto de factos como de perspetivas.

 

Outra lição que tiramos da série é a de que não, o mundo não enlouqueceu com as redes sociais. Elas não existiam em 89 e não foram necessárias para que um circo de opiniões obtusas fosse montado. Até um jovem Donald Trump aparece em cena a pagar 85 mil dólares em anúncios a pedir a pena de morte para os rapazes...

 

Como já havia acontecido com a série "Making a Murderer", também da Netflix, "When They See Us" está a provocar uma comoção nos EUA, ao ponto de a promotora do caso ter a sua vida bem complicada neste momento (há uma campanha para "cancelar" todas as posições de prestígio que ela alcançou nas últimas décadas). Não sei se isto é justiça, mas é, no mínimo, "payback", uma daquelas palavras e conceitos que só os americanos conseguem realmente perceber.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "A injustiça é irmã siamesa da justiça."

 

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