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21 de Novembro de 2019 às 19:20

O caos é a nova droga

A Coreia dos ricos é artificial, ninguém ali é rico de raiz, o dinheiro veio com o recente desenvolvimento tecnológico. O andar de cima acha a pobreza um aleijão, tem dificuldade de disfarçar o nojo que sente dos menos favorecidos.

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A palavra "coreia" vem do grego e quer dizer "dança". Daí ter sido usada para denominar um mal cujo principal sintoma é o facto de o enfermo não conseguir controlar os movimentos do seu corpo, levando-o a debater-se como num balé aleatório.

Quem sofre de coreia não dança conforme a música, apenas dança, agita-se, balança-se, saltita. Não existe, claro, doença bonita. Mas esta não deixa de ter a sua poesia. Não sei se foi a coreia que inspirou os sul-coreanos na criação da "dança aleatória", um tipo de coreografia muito em voga naquele país, que permite a quem dança mover-se sem uma ordenação lógica.

A dança aleatória serviu de inspiração ao realizador sul-coreano Bong Joo-ho no desenvolvimento de "Parasita", longa que ganhou a Palma de Ouro no último Festival de Cannes e tem tudo para ganhar o Óscar de Melhor Filme Internacional.

"Parasita" baila entre vários géneros como a comédia de costumes, o thriller, o terror, o drama. Também os personagens apresentam um moral fluida, são todos vilões, capazes de cometer infâmias várias ou crimes graves.

Parte do sucesso de "Parasita" pode ser atribuído à sua alta comunicabilidade. Trata-se de uma história do nosso tempo, uma dura parábola sobre a incapacidade de o ser humano ser socialmente justo e decente.

Enquanto libelo político, "Parasita" apresenta-nos a Coreia do Sul que não deu certo a tentar se misturar com a que deu. A Coreia do andar de baixo é plena de favelas e desesperança. Quem lá está é para ficar. Sair dali só com muita esperteza e falta de escrúpulos. E isto nem sequer é apresentado como uma questão. É assim porque sim, porque o capitalismo manda.

A Coreia dos ricos é artificial, ninguém ali é rico de raiz, o dinheiro veio com o recente desenvolvimento tecnológico. O andar de cima acha a pobreza um aleijão, tem dificuldade de disfarçar o nojo que sente dos menos favorecidos. A luta de classes é cozinhada em lume brando até que a panela de pressão apita. E quando apita...

 

O que está a se passar no Chile, na Espanha, na Inglaterra do Brexit, tem tudo a ver com "Parasita". É simples perceber que o liberalismo económico excessivo e obtuso que andaram a nos vender tem e terá consequências nefastas. O filme apenas transforma essa ilação plausível numa metáfora que beira o surrealismo.

 

Em tempos de Marvel (mas não maravilhosos; onde o caos tornou-se tão atrativo e desejável pelas sociedades como se fosse uma nova e potente droga), parte do encantamento que "Parasita" vem despertando pode ser atribuído aos millennials que assistem-no e descobrem que o cinema também pode ser uma máquina de fazer pensar. Que venham mais filmes como este. Não é o "Anjo Exterminador" do Bunuel mas é bem melhor que qualquer "Terminator" que anda por aí.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo, a citar o escritor Bruno Barcellos: "Parasitas são organismos que vivem em associação com outros dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente a prejudicar o organismo hospedeiro. Alguns se disfarçam de gente."

 

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