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15 de Setembro de 2020 às 18:40

Facebook, chocolate e marijuana

Ao despertar pela manhã, ou você checa o seu smartphone antes do primeiro chichi do dia ou durante o primeiro chichi do dia.

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Por mais prosaica e radical que seja a afirmação acima, ela acaba por ser um retrato fiel do lugar onde chegámos.

Estamos encurralados por uma armadilha que nós mesmos criámos. Foi o nosso desejo pelo conhecimento instantâneo, pela informação abundante, pelos dons divinos da onisciência e da onipresença que turbinaram a criação das redes sociais.

O mapa do caminho que usámos até aqui nos é apresentado com surpreendente clareza no documentário “O Dilema das Redes Sociais”, recém-estreado na plataforma Netflix.

Trata-se de um documento importante e credível. Em vez de acadêmicos vetustos ou maluquinhos das teorias de conspiração, encontramos no filme uma longa lista de ex-funcionários de topo de empresas como Google, Facebook, Pinterest e outras.

Há, por exemplo, o tipo que inventou o botão de “like” no Facebook a afirmar que, ingenuamente, queria espalhar uma onda de positividade com a sua criação. Não poderia adivinhar que o “like” se tornaria numa potente arma para os algoritmos determinarem também o que não queremos, não admitimos, o que detestamos.

Todos os que se apresentam no documentário portam-se como criminosos arrependidos (embora sejam unânimes em afirmar que não há vilões de cinema nas companhias em que laboraram). Olham muitas vezes para baixo, para os lados, sabem que participaram de alguma forma de um crime contra a humanidade, um crime que está ainda em andamento, inclusive.

São os próprios que traçam cenários terríveis: guerras civis, falência da democracia liberal, o descrédito na ciência, na história, nas instituições, sistemas autoritários no poder, pandemia de depressão emocional, descontrole nas taxas de suicídio.

Não se estão a referir a um futuro distópico. Já está a acontecer. Um pouco mais, um pouco menos, dependendo do lugar do planeta onde vivemos.

O visionamento de “O Dilema das Redes Sociais” trata-se de uma tarefa cívica. E se tiver filhos adolescentes, tentar que também. Sem trazer grandes novidades, o filme serve para abrir ainda mais os nossos olhos. A inteligência artificial tem uma capacidade infinita de se desenvolver sozinha. Nós não. Lembre-se, levámos milhões de anos para chegar até aqui.

O único personagem otimista de “O Dilema das Redes Sociais” é justo o de ar mais improvável, menos credível. Trata-se do cientista de computação e músico Jaron Lanier, eleito pela Time como uma das 100 personalidades mais influentes no mundo, em 2010.

Jaron tem longos cabelos rastafári e um ar de quem acaba de provar um bolo de chocolate e marijuana muito bom. Ele crê ser ainda possível virar o jogo, reprogramar as coisas, limitar o alcance das empresas do setor, dar prioridade às pessoas sobre os negócios.

Talvez ele tenha razão. Ao menos parece mais feliz do que todos os outros. Precisamos pedir a receita do tal bolo.

Ou como diria o meu Tio Olavo: “Todas as utopias têm um lado distópico. O melhor nunca é o melhor para toda a gente. O melhor será sempre o pior para alguém.”

 

O melhor nunca é o melhor para toda a gente. O melhor será sempre o pior para alguém.
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