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21 de Novembro de 2017 às 22:08

1969: o ano que não terminou

A história é um tecer, a história é um tecido. Os fios históricos narrativos entrelaçam-se para criar a ilusão de presente e de passado. O futuro (que efetivamente não existe) não é história, não passa de um delírio social consentido.

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Às vezes, o tear da história parece que enlouquecido. Como um disco riscado, fixa-se num determinado período e este parece durar décadas. É o caso de 1969.

 

O próprio título deste texto remete para um livro publicado em 1988 em que o autor (o jornalista brasileiro Zuenir Ventura) defendia a tese de que o mundo, à época, ainda vivia sob o impacto das ondas sísmicas provadas pelos últimos suspiros dos anos 60.

 

Quase 50 anos depois, 1969 continua a dar as suas caras quando menos esperamos. Foi o que senti ao ler sobre a recente morte de Charles Manson.

 

Para quem não está a ligar o nome à pessoa, Manson foi o mentor de um brutal massacre em Hollywood, em agosto de 69.

 

Com ajuda de um grupo de lunáticos, ele invadiu a casa do cineasta Roman Polanski e matou cinco pessoas (incluindo Sharon Tate, a mulher de Roman, que estava grávida e era uma atriz de sucesso).

 

1969 foi tão complexo que esse crime é apenas mais um facto a pontuar um ano que começou com a tomada de posse de Nixon como Presidente dos EUA, passando pela chegada do homem à Lua.

 

Foi irmão direito de 1968, outro desses anos sem fim, que albergou no seu mês de maio uma revolução em Paris.

 

Na semana passada, estava a ver a entrevista de um documentarista, João Moreira Salles, cuja mãe (também ela voltada para registos documentais em cinema) vivenciou fortemente os confrontos nas ruas parisienses.

 

O que achei curioso no depoimento foi alguns reparos revisionistas sobre esse evento tão romântico. Afinal, uma parte do maio de 68 poderia ser confundido com uma ação de marketing num shopping voltada para os "millennials".

 

Para quem se choca com a atual profusão de "selfies", segundo Moreira Salles, as ruas tomadas pelos estudantes franceses, em questão de dias, tornaram-se lugar de visitação turística, onde era possível pagar para tirar fotos com revolucionários ou levar pedaços das pedras usadas nos protestos de recordação (vendidas a preços módicos).

 

Também foi sublinhado que muitas das frases de efeito do movimento (como a famosa "é proibido proibir") tinham pouco de natural. Vieram das cabeças de publicitários profissionais.

 

O visionamento dessa entrevista seguido da notícia da morte de Manson agitou as minhas sinapses cerebrais. De uma certa maneira, senti que estava a lidar com dois falecimentos. O de um ícone do mal e de uma ideia errada de que o passado era bonito.

 

Acho que talvez agora 68 e 69 podem ir (ao menos para mim) desta para melhor.

 

Ou como diria o meu Tio Olavo: "Sou do tempo em que o mundo era ao contrário: o ar era limpo e sexo era sujo."

 

Publicitário e Storyteller

 

Artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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