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Reflexões em torno das necessidades prementes dos tribunais tributários de 1.ª instância

Os cidadãos têm direito a uma decisão em prazo razoável. Os juízes dos tribunais tributários têm direito a ter condições para proferir essa mesma decisão em prazo razoável.

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A situação nos tribunais tributários (TT) está diagnosticada há já vários anos, com soluções também há vários anos traçadas.

 

Falemos em dados.

Atualmente são 16 os TT de primeira instância.

 

No âmbito da reforma de 2004, foram definidos os quadros de juízes dos TT, com ligeiras alterações em 2008.

 

Em termos de comportamento da litigância nestes tribunais nos últimos anos, e não considerando os processos pendentes, entraram em primeira instância:

 

a) Em 2013, 14.306 novos processos;

 

b) Em 2014, 19.456;

 

c) Em 2015, 24.801; 

 

d) E em 2016, 16.445.

 

A tendência crescente é notória.

 

A esta tendência acresce uma outra caraterística, difícil de mensurar, consubstanciada no aumento significativo de complexidade da litigância tributária.

 

Em simultâneo, é um fator ponderoso a grande mutação dos diplomas legislativos aplicáveis.

 

Olhando agora para os quadros de juízes, os mesmos permanecem imutáveis.

 

Atentando nas estatísticas oficiais, a média de processos por juiz, se considerarmos os quadros de juízes legalmente previstos, seria sempre próxima ou superior a mil processos. Em termos práticos, a realidade não é matematicamente esta, por via da colocação de juízes auxiliares. No entanto, trata-se de cuidados paliativos.

 

Portanto, é evidente a falta de juízes nos TT.

 

Este reforço tem de ser acompanhado por uma política de recrutamento anual de novos juízes, recrutamento esse que, até ao momento, tem sido irregular. Aliás, em 2017 não haverá recrutamento de juízes para os TAF.

 

Posto este quadro, há que refletir sobre algumas soluções (?) reiteradamente avançadas.

 

Esvaziar os TT de competências é claramente uma solução a rejeitar liminarmente: limita-se a fazer das garantias constitucionalmente existentes sobre a matéria letra morta.

 

Quanto às tecnologias ao nosso alcance, que tendencialmente facilitam e tornam mais célere a tramitação processual, há ainda muito a fazer. O SITAF, mais do que uma ferramenta de mensuração estatística, mais do que um fim em si mesmo, tem de ser uma ferramenta que coloque à disposição todos os elementos necessários ao decisor. Com ganhos de tempo ganha-se eficácia. Parece simples.

 

E o que dizer do facto de a possibilidade de recrutamento de assessores, prevista no art.º 56.º, n.º 4, do ETAF, não ser mais do que letra morta nos TT de primeira instância? O direito processual oferece ferramentas para situações de necessidade de assessoria técnica, mas não as oferece quanto à necessidade de recrutamento de assessores jurídicos. Parece igualmente simples.

 

Uma palavra final cumpre referir, para quem encara os TT como potenciais "fábricas de sentenças em série", referindo, mesmo, que a maioria dos processos são idênticos. Ora isso é um clamoroso desconhecimento da realidade dos TT. Se existem, nos TT, como em todos os outros, situações similares, as demais situações cada vez são mais complexas e mais trabalhosas. Não se pode tomar a parte pelo todo. Ignorar isso e reduzir as dificuldades dos TT a meros problemas de gestão é puramente demagógico.

 

Quererão os cidadãos sentenças fundamentadas ou formulários de escolha múltipla preenchidos? Quererão os cidadãos juízes ou meros técnicos juristas a decidir? Quererão os cidadãos justiça ou qualquer outra coisa funcionalizada, centrada no fim estatístico e alheada da justiça material?

 

Os cidadãos têm de ter assegurado o acesso ao direito e aos tribunais e a uma decisão em prazo razoável. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo. No entanto, a administração da justiça nos termos exigidos pela Constituição da República Portuguesa implica não desinvestir nos TT, não ignorar as clamorosas e mais do que diagnosticadas dificuldades, não travestir essas mesmas dificuldades como erros de gestão, não transformar o desinvestimento nos TT numa oportunidade para enxovalhar os seus atores, fazendo com que, no fundo, quem saia prejudicado de toda esta dança seja o cidadão.

 

Os cidadãos têm direito a uma decisão em prazo razoável. Os juízes dos TT têm direito a ter condições para proferir essa mesma decisão em prazo razoável.

 

Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa e Vogal da Direção Nacional da ASJP

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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