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14 de Março de 2018 às 23:48

Precariedade na advocacia: fazer o caminho  

O problema da precariedade na advocacia começa a abalar uma muralha de silêncio. A manifestação de advogados, em janeiro, foi sinal disso mesmo.

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Quando falamos de precariedade na advocacia convém, como foi expresso por várias pessoas presentes na audição pública, "Combater a precariedade no exercício da advocacia", que teve lugar na Assembleia de República no dia 22 de fevereiro, distinguir diferentes realidades.

 

Por um lado, encontramos a precariedade dos advogados em prática individual ou de pequenos escritórios, verdadeiros profissionais liberais, e que se veem a braços com valores de contribuições, para uma Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS), proibitivos do exercício da atividade. Uma Caixa que não lhes confere proteção social e cuja sustentabilidade não está comprovada. Isto sem a possibilidade de optarem pela realização dos descontos para a Segurança Social com a consequente sujeição a um regime contributivo com mais garantias.

 

Em paralelo, a precariedade dos jovens advogados assalariados e dos advogados estagiários que, uma vez que estão na dependência do patrono para realizarem as diligências necessárias ao acesso à profissão, se veem durante o longo período de estágio (cerca de 18 meses) a exercer a atividade, com subordinação jurídica, de forma não remunerada ou com remunerações baixas e, mais uma vez, sem garantia de proteção social.

 

Existe uma incompatibilidade entre o exercício de uma profissão considerada liberal e a verificação, na prática, de subordinação jurídica?

 

O Estatuto da Ordem dos Advogados prevê, no seu artigo 73.º, a possibilidade de celebração de contrato de trabalho com advogados, o que abala a argumentação da incompatibilidade do exercício da advocacia sob a égide de um contrato de trabalho.

 

Também a jurisprudência tem vindo a reconhecer a existência de contrato de trabalho celebrado com advogados em vários acórdãos (Relação de Lisboa, em 2003, ou Supremo Tribunal de Justiça, em 2008). Este acórdão do Supremo acolhe a posição doutrinal de António Monteiro Fernandes para quem a supremacia do empregador, e a consequente subordinação do trabalhador, não tem de se manifestar a todo o momento bastando que exista a possibilidade de ser exercida. Clarifica ainda o acórdão que a autonomia técnica é distinta de subordinação jurídica e a autonomia técnica não determina que não há subordinação jurídica.

 

Não é a qualificação atribuída ao contrato que releva. Como diz, a respeito, João Leal Amado, "os contratos são aquilo que são e não o que as partes dizem que são".

 

Alguns autores fazem declarações de morte do princípio da subordinação jurídica. Estará em coma?

 

Mesmo em relações laborais especiais (artistas, trabalhadores domésticos, praticantes desportivos) e, numa atividade tradicionalmente liberal como é a advocacia(o que obriga a que subordinação jurídica observe uma configuração atípica ou poliédrica), a subordinação pode continuar a existir.

 

No relatório "Supiot", elaborado em 2003, aflorava-se a possibilidade de o Direito do Trabalho passar a abranger todas as relações de trabalho, assalariado ou não, mas sempre associando trabalho assalariado à subordinação, ideia acompanhada pela nonagésima quinta conferência da OIT em Genebra, onde foi aprovada a Recomendação n.º 198, com o objetivo de clarificar as relações de trabalho evitando situações de fraude.

 

E no perímetro do Direito do Trabalho que temos de regular aquilo que lhe compete regular: o trabalho subordinado.

 

O anteprojeto de diploma legal da Ordem dos Advogados, não sendo novo, foi recentemente apresentado e prevê o estatuto do advogado que exerce a sua atividade para uma sociedade de advogados ou para um escritório de advogados não organizado em forma societária.

 

Serve o combate à precariedade?

 

Está em causa uma relação especial de trabalho, uma relação laboral atípica e é inaceitável regulá-la como um contrato de prestação de serviços atípico, em que se concedem direitos próprios de uma relação laboral, e aplicar supletivamente o Código Civil e não o Código do Trabalho.

 

Também a ideia da especial relação de confiança presente no documento quando muito remeteria para o regime da comissão de serviço.

 

Com que base se prevê a denúncia injustificada da entidade empregadora que é, na prática, um despedimento imotivado, não permitido à luz do princípio constitucional da segurança no emprego, como alertava o Professor Doutor José João Abrantes na audição supramencionada?

 

Com que fundamento se excluem os advogados estagiários?

 

O caminho é o da regulação, mas da regulação do trabalho subordinado dos advogados dentro da esfera do Direito do Trabalho. Este projeto não serve esse propósito. Cria um regime anacrónico, ferido de constitucionalidade e reduz a proteção laboral já reconhecida pela jurisprudência no caso de trabalho subordinado realizado por advogados.

 

Temos, assim, três frentes de batalha: transparência, sustentabilidade e garantia de proteção social pela CPAS, ou de condições de opção pelo regime contributivo da Segurança Social; novo modelo de estágio, que dê autonomia ao estagiário e contrarie a lógica de rotatividade, e exploração e regulamentação do trabalho subordinado.

 

Saramago diria: "Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo."

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

 

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