Opinião
Para quando uma nova estratégia para os portos?
Para quando a criação de um Fundo de Compensação Interportuário e no âmbito deste, especificamente, um Fundo Financeiro de Acessibilidade Terrestre Portuária?
A propósito de uma afirmação do atual ministro das Infraestruturas, João Galamba, que ao que se julga corresponder a uma intenção de estudar e apresentar uma nova estratégia para o setor marítimo-portuário, julgamos ser tema pertinente e que bem se justifica à luz dos resultados que são conhecidos no que foi o registo do ano 2022. Os portos portugueses, ao contrário das boas notícias veiculadas, e ainda que não se consigam recolher dados definitivos, registaram menos carga movimentada no ano de 2022 em relação ao ano transato (cerca de - 4%), enquanto os portos espanhóis registaram um crescimento de cerca de 5%.
A bem dizer, é preciso recuarmos ao final da década de 90 do século passado, para nos confrontarmos com a definição de uma estratégia que alterou, profundamente, o funcionamento dos portos portugueses. Na sequência da reestruturação portuária de 1993, ao tempo de um governo do PSD, sob a égide do Ministério do Mar, que estabeleceu um novo enquadramento legal e a celebração de um Pacto de Concertação Social no Setor Portuário, em 1996, na pujança inicial de um governo do PS, sob os desígnios e a liderança de um secretário de Estado Adjunto do ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, José Manuel Consiglieri Pedroso, concretizou-se um grande desafio e uma grande mudança que, entre outras, levou à passagem de estatuto de “tool port” para “landlord port”, seguindo uma política de licenciamento e concessões e à transformação das Autoridades Portuárias, deixando de ser Institutos Públicos, assumindo-se como Sociedades Anónimas. Não só se pretendia tornar mais ágeis as gestoras dos portos nacionais, como dar-lhes outras responsabilidades e vocação, aliviando responsabilidades diretas na movimentação de cargas e funcionamento dos diferentes terminais e usos do porto.
Iniciou-se então um caminho que levou à concretização de grandes investimentos em todos os domínios e, em consequência, aumentou-se a produção e fornecimento de serviços, com acréscimos de produtividade e conquista de novos operadores e novos mercados. Procurou-se corresponder à novidade que levou ao grande incremento da carga geral contentorizada, construiu-se e operacionalizou-se a receção e armazenagem de GNL, modernizaram-se as estruturas de movimentação de granéis líquidos, incrementou-se a náutica de recreio e o turismo de cruzeiros e deram-se os primeiros passos para atender aos novos desafios da logística.
Desde então, a meu ver, pela experiência acumulada, e não querendo parecer ser “velho do restelo”, muito se fez na modernização pela via da simplificação de procedimentos, através da informática e digitalização, mas muito se regrediu, nomeadamente, nos constantes constrangimentos que, sucessivamente, têm vindo a ser colocados ao funcionamento das AP. Quase que será legítimo constatarmos que, bem mais valia terem permanecido na figura de Institutos Públicos, com todas as limitações daí decorrentes, do que serem tidas como sociedades anónimas, obrigadas a, “por tudo e por nada” terem de pedir autorização ao acionista Estado, desde logo para aquisição, através de substituição, de uma viatura ou para a admissão de pessoal julgado essencial para qualquer serviço ou função. Acionista que, chega a aprovar os Planos de Atividade com um ano de atraso e mais parece interessado na remuneração através de dividendos do capital investido do que dar a essas sociedades outra visão, que as façam tornar os portos em verdadeiros agentes de desenvolvimento comprometidos com a sua região.
Reiteramos, igualmente, sob o que julgamos ser um desafio para os tempos que se seguem, que deve ser equacionada uma nova visão para os portos. Uma estratégia que não pode deixar transparecer que as AP sejam vistas como empresas geradoras de lucros e distribuidoras de dividendos para o Estado, mas que esses resultados sejam postos ao dispor do setor, criando-se um Fundo gerido por organismo que trate da definição e da coordenação de uma política portuária nacional e compatibilize os investimentos necessários.
É urgente uma nova estratégia, a qual deve passar pela humildade de ser feito um diagnóstico que permita encontrar soluções para ultrapassar este marketing inconsequente em que damos a impressão de ser os maiores, quando a olhos vistos continuamos a cometer os mesmos erros e a perder terreno e competitividade para os portos da vizinha Espanha.
A palavra estratégia, além de estar na moda, a nosso ver, serve de capa para tudo o que é decisão de alterar certas premissas, estabelecendo-se como intenção que não se concretiza. Veja-se o que se passou com a criação de um Conselho de Administração comum para a APL/APSS, que exigia a elaboração de um Plano Estratégico Articulado dos portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra. Coisa que se aguarda até ao momento, passados quase sete anos.
A pergunta que nos fica, é sempre a mesma. O que nos leva a ter receio de “copiar” as principais linhas do modelo espanhol para o setor portuário? Para quando a criação de um organismo público que tenha responsabilidades na coordenação e controle da eficiência dos portos portugueses, que tenha atribuída a execução da política portuária do Governo? Para quando a criação de um Fundo de Compensação Interportuário e no âmbito deste, especificamente, um Fundo Financeiro de Acessibilidade Terrestre Portuária?
Estamos cientes que, tendo estes fundos o objetivo de serem um instrumento de redistribuição de recursos do sistema portuário nacional, e destinados a financiar obras nas infraestruturas de ligação rodoferroviária, potenciando a competitividade intermodal, em muito ajudariam o desenvolvimento do setor. E que, estes recursos financeiros gerados pela atividade portuária, não sendo apropriados numa ótica de dividendos pelo Estado acionista, seriam vistos como um benefício para os portos colocados ao serviço da região em que se integram.
Na verdade, bem precisamos de menos tática e mais estratégia. Mas que esta não seja banalizada e sirva para qualquer efeito.