Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
14 de Março de 2017 às 20:25

Os idos de março de 2017

No calendário romano, os idos de março correspondem ao dia 15 do mês que evoca o deus da guerra: Marte. A data ficou célebre por ter sido nesse dia do ano 44 a.C. que Júlio César foi assassinado, efeméride que para muitos representa metaforicamente o princípio do fim de Roma.

  • 2
  • ...

Dependendo do resultado de três eventos que ocorrem hoje, a metáfora pode vir a assentar que nem uma luva nos idos de março de 2017.

 

Os idos de março de 2017 é o dia em que é atingido o teto de dívida federal nos EUA, o que significa que o Presidente Trump tem de negociar uma autorização para elevar o limite de endividamento com o Congresso. Mas até o conseguir tem de se governar com uma curta almofada, que não chega para manter o regular funcionamento do Governo para lá do verão sem medidas draconianas de contenção de despesa pública. Nada disto importaria se Trump conseguisse reunir uma maioria congressional em torno do seu projeto político. Mas essa possibilidade afigura-se extremamente difícil devido à fragmentação do Partido Republicano em fações virtualmente incompatíveis, por um lado, e a acrimónia existente entre a Casa Branca e o Partido Democrata, por outro. À medida que os analistas forem tomando consciência do risco de paralisia em Washington, rapidamente começarão a questionar a exequibilidade do plano orçamental de Donald Trump, que inclui um corte transversal de impostos, a reconversão das infraestruturas do país, o investimento nas forças armadas, o reforço da segurança interna e do controlo das fronteiras, a majoração dos apoios aos veteranos de guerra. Será que a expansão da economia americana, que já é a segunda mais longa do pós-Guerra, se aguenta sem a injeção de adrenalina que Trump prometeu? E o que acontece ao mercado acionista se forem goradas as expetativas de aceleração da atividade?

 

Os idos de março de 2017 é o dia em que a Reserva Federal dos EUA deverá subir as taxas de referência e reiterar a sua intenção de o continuar a fazer no futuro. Esta posição da Fed é vista com tranquilidade pelos investidores por corresponder a uma normalização da política monetária justificada por perspetivas de crescimento robusto. Mas, como reagirá uma economia, mais endividada do que na véspera do subprime, a um aumento das taxas de juro, sobretudo num cenário de paralisia causada pelo impasse do teto de dívida? E o que farão os mercados financeiros perante o risco de anemia económica e o encarecimento e rarefação da liquidez que a subida das taxas de juro trará?

 

Os idos de março de 2017 é o dia em que os holandeses vão às urnas e em que, pela primeira vez em muitas décadas, um partido de extrema-direita pode ganhar umas eleições gerais na Europa. Esta possibilidade foi reforçada pela recente crise diplomática entre a Holanda e a Turquia, a qual ameaça desencadear uma nova vaga de tensão entre o mundo islâmico e o Velho Continente, com benefício para os radicalismos políticos e religiosos e prejuízo para o projeto europeu e o seu filho pródigo: o euro. Que consequências podem estas eleições ter na estabilidade de uma ordem económica mundial alicerçada numa globalização que tem na União Europeia um dos seus eixos estruturantes?

 

Tal como Júlio César ridicularizou a profecia da sua morte no próprio dia em que viria a ser assassinado, a generalidade dos observadores e analistas despreza os riscos com que o mundo se depara, não por falta de aviso, mas por um credo cego num destino glorioso.

 

Chief economist do Millenniumbcp

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico 

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio