Opinião
Não, não é uma catástrofe climática. É apenas uma decisão estúpida
Recentemente tive a honra de ser facilitador de uma reunião de diretores de sustentabilidade de grandes empresas europeias reunidas no Corporate Leaders Group. Confrontado com a questão do dia em termos estratégicos – o que acontece se Trump sair do Acordo de Paris, foi esta a minha resposta. Hoje mantenho-a, com ainda mais razão.
Trump decidiu sair do Acordo de Paris. Tal processo não é imediato. Formalmente, ainda passarão alguns meses até que a mesma produza efeitos diretos. Quais então os riscos e as vantangens que pesaram na decisão?
Descontemos já a reação enorme que a decisão comportará: os próprios conselheiros republicanos da época Bush contaram como a reação à saída dos Estados Unidos do Protocolo de Quioto teve reflexos em múltiplos setores diplomáticos levando a um esfriamento enorme das relações com os seus aliados, algo que contribuiu em grande medida para a falta de apoio sentida em muitas das questões de segurança nacional. Mesmo sendo certos, estes riscos poderão ser minimizados.
Mais do que possivelmente qualquer outra decisão, esta irá seguramente ter um peso decisivo sobre o prestígio não apenas do senhor Trump, mas dos Estados Unidos como um todo. Relembremos que os Estados Unidos nunca chegaram a fazer parte do Protocolo de Quioto por este não prever a participação dos países emergentes e em particular da China no esforço de mitigação das emissões de gases com efeito de estufa. Passados 20 anos sobre essa decisão, o mundo entrou numa fase diferente. Liderados justamente por um esforço conjunto sino-americano, as nações negociaram um acordo feito em grande medida em resposta aos anseios dos Estados Unidos de uma participação alargada. Sob certos aspetos, por exemplo, o esforço de redução que a China se propõe fazer é mais intenso do que aquele que os Estados Unidos se propunham fazer. Pelos anos que se seguem e independentemente do ocupante da cadeira na Sala Oval, este passo atrás será lembrado, cada vez que um líder se sentar com a administração norte-americana.
Contudo, o maior risco neste momento seria o de que outros países, com a China à cabeça, decidam que as estruturas do Acordo de Paris, uma vez que os Estados Unidos não estão implicados, não são mais úteis e que, consequentemente, o acordo seja posto de parte ou que seja revisto, tornando-o ineficaz ou obsoleto. Há várias razões para suspeitar que tal não suceda: em primeiro lugar, o interesse próprio. Com a exceção da China e eventualmente da Ìndia, nenhum outro país se concebe como um potencial de hegemonia internacional. A União Europeia por exemplo é um forte apoiante do multilateralismo. Quase por antagonismo, a China é hoje concebivelmente uma potencia hegemónica que, pelo menos por enquanto, se apoia nos seus laços mulitlaterais e que tem expandido a sua zona de influência. Num momento em que a China avança seriamente para o domínio nas tecnologias do futuro – energias renováveis, mobilidade elétrica – não faria muito sentido não aproveitar o espaço vazio deixado pelos Estados Unidos.
Por último, o maior antídoto para Trump e a sua ideologia será a realidade do que já está a acontecer: a China aplica desde há meses uma moratória sobre a construção de nova capacidade de produção elétrica em carvão. Na Índia, centrais a carvão deixaram de ser comissionadas dado o sucesso estrondoso dos últimos leilões dedicados à energia solar. Mesmo nos Estados Unidos, a Tesla (cujo CEO, Elon Musk, apoiou Trump) já tem hoje uma capitalização bolsista maior do que a Ford. O crescimento da frota elétrica atinge em alguns estados dos Estados Unidos taxas de 100% ou mais. Confiar que esta decisão, por mais popular que seja em algumas regiões dos Estados Unidos, possa trazer de volta os dias soalheiros à indústria é acreditar na história do rapazinho holandês que tapou o buraco do dique com o seu dedo.