Opinião
Ironia
O programa Erasmus é inegavelmente um símbolo da integração Europeia. Na senda do seu sucesso, já há alguns anos que a Comissão financia o intercâmbio e a cooperação com países fora da União.
Um exemplo é o programa "International Credit Mobility" (ICM) que estimula o intercâmbio de alunos, investigadores e funcionários universitários com instituições de países extra-comunitários.
Trata-se de exercer o que se conhece como "soft diplomacy", usando recursos financeiros para que as instituições de ensino superior sirvam como embaixadores da geoestratégia da Europa. Essa estratégia é definida em torno dos interesses daqueles que mais recursos investem no orçamento comunitário, tipicamente França e Alemanha. Assim, as áreas definidas como prioritárias são, em primeiro lugar, a África subsaariana (com 26% do orçamento), em segundo, a região dos Balcãs (19%), em terceiro, os países do Mediterrâneo (17%), seguidos da vizinhança oriental da Europa, o que inclui a Geórgia, Arménia, Azerbeijão, Ucrânia (com 12%). Para os outros, migalhas. Uma região de importância vital para nós, a América Latina, recebe apenas 3%, o mesmo que a América do Norte (Canadá e Estados Unidos).
Da verba do programa ICM, cada região do globo tem uma percentagem pré-definida – a mesma para todos os países. A Portugal coube, este ano, a verba de €5.436.316, a ser distribuída de acordo com essas percentagens. Assim, a agência Erasmus Portuguesa pode financiar no programa ICM pouco mais de 1 milhão de euros para os Balcãs, mas apenas dispõe de 163 mil euros para toda a América Latina.
Em última instância, isto reflete uma visão míope do que devem ser os interesses geoestratégicos da União Europeia, confundindo-os com os interesses de quem põe mais dinheiro no orçamento da Comissão.
Na distribuição de verbas é usado um mecanismo que incentiva as Universidades Portuguesas a investir no relacionamento com instituições de países com as quais não nos relacionamos, obstruindo o desenvolvimento de cooperações mais alinhadas tanto do ponto de vista científico como cultural. Basta dizer que as instituições de ensino superior portuguesas têm o mesmo incentivo para apoiar o desenvolvimento de relações com países dos Balcãs do que universidades de países como a Grécia, Bulgária ou Roménia. É estranho. Assim como esses países têm o mesmo (fraco) incentivo para se relacionarem com a América Latina do que Portugal e Espanha, cuja ativa interface cultural nessa região é inquestionável.
Sermos Europeus não significa termos de seguir todos os mesmos incentivos de política externa. Pelo contrário, definida adequadamente uma geoestratégia, seria mais produtivo usar as vantagens competitivas das várias nações da União em cada região do mundo – princípio clarificado por Adam Smith desde o século XVIII. A política seria mais efetiva, e todas as instituições beneficiariam.
Na sua discreta "Ironia", Pessoa diz que Colombo nos seguiu para onde nós não fomos. O programa ICM transforma-nos em pequenos Colombos com incentivos para irmos aonde muitos não vão, mas, mais grave, para onde não é claro que queiramos ir. Querem que façamos a casa onde outros poeticamente puseram a pedra.
Opinião pessoal que não reflete necessariamente a posição institucional da Universidade Nova de Lisboa.