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21 de Junho de 2016 às 19:34

Garantir a independência dos árbitros: um dever partilhado 

Entre nós, a arbitragem tem um lugar privilegiado pois tem expressa consagração na Constituição da República Portuguesa: os tribunais arbitrais exercem a função jurisdicional em termos equiparáveis aos tribunais estaduais.

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Um corolário da natureza jurisdicional da função exercida pelos árbitros é a imposição da sua independência e imparcialidade relativamente às partes e ao objeto do litígio.

 

O controlo da independência e imparcialidade dos árbitros é mais melindroso do que o dos juízes estaduais. Percebe-se facilmente porquê. Enquanto os juízes exercem a sua função em exclusividade, os árbitros têm, em regra, outras ocupações, tipicamente através do exercício da advocacia, consultoria, docência ou parecerística, as quais podem suscitar possíveis conflitos de interesses. Isto é, os juízes vivem fora do mundo económico, enquanto os árbitros vivem dentro do mundo económico.

 

Neste contexto, os árbitros e as partes estão sujeitos a deveres particulares com o objetivo de assegurar que o tribunal arbitral é efetivamente independente e imparcial. Em última análise, o controlo deste ponto pertence aos tribunais estaduais. 

 

O papel do árbitro é o de maior responsabilidade. Mesmo que o árbitro entenda estar em condições de aceitar o encargo, deve, ainda assim, revelar todas as circunstâncias que, numa apreciação objetiva, possam, aos olhos das partes, suscitar fundadas dúvidas sobre a sua independência e imparcialidade.

 

Na arbitragem portuguesa, o dever de revelação tem feito o seu caminho, mas encontramos ainda muitos casos de insuficiência de prestação de informação, seja porque os árbitros entendem não ser necessária a revelação, por ser excessiva, ou porque têm a ideia errada de que, ao revelarem, estão a admitir, logo à partida, que não são independentes e imparciais.

 

Esta cultura é agravada pelo facto de muitas das arbitragens em Portugal ainda não serem administradas por instituições especializadas. A falta de revelação pode levar a que partes e advogados possam usar informação não revelada mais tarde, se e quando têm a noção de que há o risco de uma decisão desfavorável.

 

Este comportamento é criticável. Para evitar estas situações, tem havido uma importante evolução nesta matéria: se, ao princípio, o sistema de garantia da independência e imparcialidade dos árbitros recaía fundamentalmente sobre o árbitro, hoje as orientações internacionais e crescente jurisprudência vão no sentido de que as partes e os seus próprios advogados têm igualmente responsabilidade na obtenção de informação, designadamente no que respeita a informação que esteja disponível nos potentes meios de comunicação de hoje em dia, desde logo a internet. De facto, não faz sentido permitir que factos de conhecimento acessível pelas partes, que os árbitros por vezes não revelam porque confiam que a informação, não sendo objetivamente suscetível de afetar a sua independência e imparcialidade, é pública ou está disponível ao público, levem à destruição de anos de trabalho de um tribunal arbitral, deitando para o lixo milhares de horas de trabalho e milhares de euros de custos.

 

Neste contexto, o dever de revelação assume, portanto, uma importância decisiva: de um lado, assegura uma partilha de informação relevante de forma transparente de modo que o juízo sobre a independência e imparcialidade do árbitro não seja tomado apenas pelo próprio "interessado"; de outro lado, protege a integridade do processo arbitral, minimizando a possibilidade de comportamentos oportunísticos e abusivos das partes.

 

A independência e a imparcialidade dos árbitros são requisitos fundamentais da legitimidade substancial da arbitragem e, nessa medida, devem ser defendidos criteriosamente por todos os intervenientes, certamente a começar pelos árbitros, mas também pelas partes e pelos seus advogados.

 

Advogado

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico

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