Opinião
Fundos de créditos: uma nova alternativa de financiamento?
Os sobejamente conhecidos "loan funds" chegaram ao nosso ordenamento jurídico, como Organismo Coletivo Alternativo Especializado (OIAE) de crédito, através do DL n.º 144/2019, com o objectivo de dinamizar o mercado de capitais e diversificar as fontes de financiamento das empresas.
O legislador definiu-lhes um objectivo ambicioso, tendo em conta o contexto de uma economia muito enraizada no financiamento bancário recheado de requisitos de capital e de liquidez impostos por Basileia III e de um certo preconceito para com o financiamento não bancário apelidado de "shadow banking".
A diversificação das fontes de financiamento da economia é hoje um dos objectivos da União do Mercado de Capitais, visando a criação futura de um regime europeu harmonizado de originação do crédito, pelo que os "players" que se perfilarem em primeiro lugar neste terreno poderão ter vantagens competitivas evidentes.
O objectivo é meritório e a novidade é de aplaudir, mas o legislador não foi particularmente feliz ao consagrar esta nova figura a propósito do regime jurídico do capital de risco. Teria sido mais adequada a sua inserção no regime geral dos organismos de investimento colectivo, dado que é nessa sede que se encontra a disciplina das entidades gestoras multifuncionais.
A concessão de crédito por parte destes OIAE pode revestir três formas básicas:
(i) Concessão originária de crédito, e esta é a grande novidade, através da celebração de contratos de empréstimo, sendo certo que usamos a expressão "empréstimo" em sentido lato por forma a abranger qualquer forma de concessão de crédito;
(ii) Participação na concessão de crédito, através da aquisição de créditos anteriormente concedidos por outras entidades autorizadas ou da participação em consórcios de entidades financiadoras;
(iii) Reestruturação de créditos, através de aquisição de créditos em situação de incumprimento, nomeadamente créditos não produtivos (Non Performing Loans - NPL).
A par dos créditos concedidos ou adquiridos, o projecto de regulamento da CMVM que se encontra em discussão pública, até 10 de Janeiro de 2020, prevê que o património dos fundos possa ser composto também por activos recebidos em satisfação dos créditos, na sequência, por exemplo, de uma dação em cumprimento, e por activos que sejam necessários para maximizar a satisfação dos mesmos, como sejam os que surjam no âmbito de medidas de recuperação do crédito. Para assegurar o cumprimento dos encargos e responsabilidades do fundo, os fundos de crédito poderão ainda dispor de liquidez (em percentagem que se estima na ordem dos 20% dos activos). Paralelamente, os OIAE deverão assegurar um certo grau de dispersão na carteira de crédito, de forma a evitar que o risco de incumprimento ponha em causa a subsistência do fundo.
A liquidez ou o risco da falta dela foi o que determinou uma feição conservadora destes fundos como fundos fechados, evitando que eventuais pedidos de resgate dos participantes pusessem em causa a liquidez do OIAE. E foi esse mesmo risco de liquidez que determinou que o projecto de regulamento da CMVM viesse agora propor que o prazo de vencimento dos investimentos do fundo (ou seja, que o prazo de vencimento dos créditos) não ultrapasse o prazo de duração do fundo. Pela mesma razão, os empréstimos que o fundo contraia para financiar a actividade de concessão de empréstimos a terceiros deverão ter uma duração igual ou superior à duração dos activos que visam financiar e não ultrapassar 60% o respectivo activo total.
Há uma evidente preocupação com o risco de liquidez, mas que não tem particularidades especiais e com o qual os gestores de fundos estão especialmente habituados e habilitados para lidar.
A actividade de concessão de crédito dedicada a pessoas não singulares implicou ainda a atenção do projecto de regulamento da CMVM a alguns aspectos relacionados com o crédito, nomeadamente (i) que um dos membros do órgão de gestão do OIAE seja uma pessoa com comprovada experiência nas actividades de concessão de crédito e de avaliação e de gestão de risco de crédito, (ii) que o OIAE tenha sistemas de gestão, avaliação e monitorização do risco de crédito, (iii) que o OIAE realize testes de esforço periódicos e (iv) que observe deveres de informação aos mutuários sobre o crédito e dever de sigilo sobre as relações com os respectivos mutuários.
Trata-se de uma regulamentação simples e clara que deixa latitude aos gestores na condução deste fundos e acautela, parece-nos, suficientemente mutuários e investidores. O tempo dirá, a partir de Janeiro de 2020, data da entrada em vigor desta nova realidade, se os fundos de créditos serão entre nós uma verdadeira alternativa ao financiamento bancário, sendo certo que poderão ser pelo menos um importante instrumento no sector dos NPL.
Advogado na Sérvulo & Associados
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