Opinião
Em Portugal e na Europa: não podemos falhar
Sem solidariedade, não haverá União Europeia. Durante os últimos anos, os portugueses fizeram esforços notáveis para pôr a economia a crescer. Não perdoariam um abandono nesta fase, em que há vidas e empresas para salvar.
A covid-19 veio expor as fragilidades da União Europeia. O resultado do último Conselho Europeu prova a falta de coordenação, partilha e solidariedade. Na Europa temos governantes, mas não temos líderes. É o egoísmo a comandar.
O ministro das Finanças dos Países Baixos sugeriu uma investigação a Espanha, para que se perceba por que razão não tem meios para fazer face à pandemia. Não é a primeira declaração lamentável de um alto responsável holandês. Outros Estados-membros tentaram impedir a venda de equipamentos destinados a salvar cidadãos europeus. Aponta-se o fracasso a “Bruxelas”, à UE, mas a culpa reside em cada um dos chefes de Estado.
A covid-19 atinge os países dos quatro pontos cardeais e os desafios comuns não se vencem com soluções individuais. Ao cuidar de um Estado-membro ou até de um país longínquo, a UE está a defender todos os cidadãos europeus. Todos beneficiam da partilha de informação e de recursos. Pense-se nos ganhos que poderiam ser obtidos investindo na investigação conjunta para obter uma vacina e medicamentos para eliminar a covid-19.
As medidas apresentadas e aprovadas pelas instituições da UE são manifestamente insuficientes. Não venceremos a crise social e económica sem partilha, sem uma urgentíssima solidariedade europeia.
– A UE tem de assumir as garantias necessárias ao financiamento de cada um dos Estados-membros, para se combater com sucesso os efeitos negativos desta crise. O recurso a uma mutualização não pode ter as mesmas condições e limites do atual Mecanismo Europeu de Estabilidade que foi concebido para responder à crise das dívidas soberanas. Estas garantias incidiriam apenas sobre a dívida contraída para fazer face à pandemia. O argumento do risco moral, tantas vezes usado, não se aplica neste caso.
– Por outro lado, sempre que necessário, o Banco Central Europeu deve aumentar a compra de ativos.
– O capital do Banco Europeu de Investimento (BEI) deve ser reforçado.
– O Plano Juncker deve ser utilizado na criação de linhas de apoio às empresas, com taxas de juro próximas do zero, em colaboração com os bancos de fomento nacionais.
– Aliás, estes bancos devem aliar-se ao BEI e ao orçamento europeu e aos nacionais para a criação de um megaplano para o investimento público e privado.
– Os Estados-membros devem poder recorrer aos fundos estruturais e ao FEADER, para além dos 37 mil milhões de euros já anunciados.
– As taxas de cofinanciamento dos fundos europeus têm de ser majoradas em 10%.
– Enfim, há que avançar com um plano de reestruturação das dívidas das empresas. É fundamental não esquecer todos os setores afetados: desde o comércio “tradicional” às PME.
A solidariedade europeia deve ainda manifestar-se através do apoio aos desempregados.
– O reforço do montante financeiro do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização é premente.
– O desenvolvimento de um resseguro de desemprego europeu é da maior importância.
– As autarquias locais, que estão a fazer um esforço brutal, devem ter acesso, no mínimo, às verbas dos envelopes nacionais de coesão e ao Fundo de Solidariedade.
– Também o setor social merece ser apoiado através de fundos estruturais e de linhas de financiamento específicas.
Sem solidariedade, não haverá União Europeia. Durante os últimos anos, os portugueses fizeram esforços notáveis para pôr a economia a crescer. Não perdoariam um abandono nesta fase, em que há vidas e empresas para salvar.
Em Portugal, a resposta do Governo é tímida e a conta-gotas, o que causa insegurança e desconfiança nas famílias e nas empresas. Algumas propostas são de aplaudir: veja-se a flexibilidade no regime de “lay-off” e a moratória semestral para os créditos à habitação e às empresas. Ainda assim, o montante investido fica-se pelos 9,2 mil milhões (4% do PIB), bastante abaixo, por exemplo, de França e Espanha, que anunciaram planos de intervenção de 345 e 200 mil milhões de euros (respetivamente 15% e 20% do PIB).
Por outro lado, sabendo que falta material de saúde nos nossos hospitais, porque é que António Costa, na passada semana, ainda não tinha pedido a ativação do Mecanismo Europeu de Proteção Civil para compra de máscaras, álcool, luvas e ventiladores? É um descuido inaceitável. Até parece que Portugal é um país rico e que não precisa de ajuda.
A covid-19 é um desafio à escala nacional, europeia e mundial. Juntos conseguiremos ultrapassá-lo. Portugal tem de ser capaz e a União Europeia tem de valer a pena. Em Portugal e na Europa, não podemos falhar.